sexta-feira, 27 de julho de 2018

É POSSÍVEL UM SUJEITO ECLESIAL?


Neste artigo, aproveito das contribuições do autor, para um aprofundamento da identidade e missão dos cristãos leigos e leigas. O objetivo principal é para iniciar uma reflexão nas paróquias sobre a necessidade de uma crescente maturidade eclesial, uma condição básica para ser Igreja no mundo atual, marcado pela identidade do sujeito e pela configuração de mudanças que conduzem à liberdade interior que leva a um juízo objetivo e um comportamento correspondente à nova mentalidade. 

Os textos que seguem são baseados na obra “É possível um sujeito eclesial?”, de Mário de França Miranda, SJ. Brasília: Edições CNBB, 2018.




INTRODUÇÃO[1]

O documento de Aparecida afirma que “na elaboração de nossos planos pastorais queremos favorecer a formação de um laicato capaz de atuar como verdadeiro sujeito eclesial e competente interlocutor entre a Igreja e a sociedade, e entre a sociedade e a Igreja”. [2] Embora não tenha definido expressamente o que entendia por sujeito eclesial deixou, entretanto, elementos valiosos para sua compreensão. Assim observa que “sua missão própria e específica se realiza no mundo”[3], mas também no interior da própria Igreja, de tal modo que os bispos devem “abrir para eles espaços de participação e confiar-lhes ministérios e responsabilidades em uma Igreja onde todos vivam de maneira responsável seu compromisso cristão”.[4] Dotados de uma formação adequada[5] devem os fiéis leigos “ser parte ativa e criativa na elaboração de projetos pastorais a favor da comunidade”[6].
O mesmo documento adverte para a necessidade de uma mudança de mentalidade no próprio clero, ao exigir, “da parte dos pastores, maior abertura de mentalidade para que entendam e acolham o ‘ser’ e o ‘fazer’ do leigo na Igreja.[7] O Documento de Aparecida alerta para a urgência de uma “conversão pastoral” por parte de todos na Igreja,[8] a qual implica não só escutar o que diz o Espírito em nossos dias,[9] mas também saber “abandonar as ultrapassadas estruturas que já não favoreçam a transmissão da fé”.[10]

Portanto, os bispos em Aparecida, ao almejar uma Igreja toda ela missionária, estavam conscientes das sérias mudanças necessárias, seja no que diz respeito a uma nova mentalidade, seja no que se refere a uma nova configuração institucional da Igreja.


I – OS PRESSUPOSTOS NECESSÁRIOS

É muito importante conhecermos os pressupostos, para que aquelas metas semeadas em Aparecida, possam ser realmente alcançadas. É também importante examinar se o que aflorou naquela Assembleia, foi uma certa crise, que foi colocada então como uma importante alavanca para as necessárias mudanças na Igreja, que puderam fundamentar as importantes mudanças que viriam a ocorrer no futuro. Mesmo que reconheçamos não ter a Igreja hoje o mesmo significado para a sociedade que teve no passado, podemos apontar, na atual instabilidade institucional pela qual passam a maioria das instituições, podemos considerar importantes fatores que atuam no próprio interior da Igreja e a fazem ir adiante na sua missão evangelizadora.

Igreja e sociedade, ambas, interagem continuamente, ambas se condicionam e se influenciam mutuamente. Diante das mudanças da sociedade, rápidas e sucessivas, a Igreja busca responder rapidamente aos desafios da sociedade atual. Ora, as mudanças necessárias no interior da Igreja são tão necessárias como aquelas que acontecem, especialmente nos últimos tempos, também no setor educativo, político e familiar, bem como na área da medicina e do direito, para citar apenas algumas.
Depois do Concílio Vaticano II temos hoje a lúcida consciência da urgente necessidade de que os fiéis leigos participem ativamente na vida e na missão da Igreja, não só porque lhes compete isso, mas também pela impossibilidade de a hierarquia absorver as atividades e as iniciativas pastorais exigidas pela hora presente. O que nos parece como decisivo na atual conjuntura é a urgente emergência de um laicato que seja não apenas objetivo e destinatário da cura pastoral, mas que se potencialize como autêntico sujeito eclesial. Ao refletir sobre os fatores que impediam o laicato de sê-lo, deparamo-nos com uma série de razões de cunho histórico, teológico, que deixam entrever a complexidade da questão, e que devem ser abordadas. O objetivo desta reflexão é, embora limitadamente, trazer à tona os empecilhos do passado e apontar fatores que possam neutralizá-los.

Naturalmente, assumir sua vocação de autêntico sujeito eclesial implica em cada membro da Igreja uma correspondente maturidade humana, tal como a entende o senso comum: uma atitude adulta, equilibrada, adequada diante de uma situação concreta. Ela implica, primeiramente, uma maturidade emocional capaz de não se deixar subjugar pelas reações sentimentais provindas do interior da pessoa, mais próprias, segundo alguns, da infância e da adolescência. A ausência desta forma de maturidade pode se extravasar numa crítica constante, exagerada, não construtiva, acompanhada, em geral, pelo desânimo e pelo pessimismo. A maturidade intelectual é outra componente da maturidade humana captada pelo sentido comum. Ela pressupõe um conhecimento da realidade, tanto proveniente do estudo pessoal, quanto da própria experiência com a realidade. Na falta deste conhecimento, a pessoa pode ser presa de sonhos irrealizáveis, de representações ideais, de objetivos inalcançáveis, por desconhecer componentes importantes da realidade em questão. No caso da Igreja ganha especial relevância conhecer como se constituiu ao longo da história a atual configuração eclesial, bem como elementos básicos de eclesiologia.

Podemos ainda mencionar uma outra modalidade de maturidade humana, a maturidade social que implica comportamentos sociais condizentes om o grupo social ao qual pertence o indivíduo.
Como podemos perceber, são muitos os fatores em jogo que atuam como condições de possibilidade para que possa emergir devidamente um sujeito eclesial. Optamos aqui por uma abordagem teológica, estritamente, tendo em vista os limites de tempo para aprofundar o tema. Assim, privilegiamos três fatores decisivos para o tema:

Teórico: Este fator diz respeito à eclesiologia. Sem uma correta eclesiologia não teremos um católico ou uma católica que seja realmente sujeito ativo na Igreja, que pense, reflita, tome posições e aja em prol da comunidade, já que nem toda eclesiologia favorece esta decisão.

Configuração eclesial: Esta questão é fundamental, pois traz à tona a regulamentação jurídica da Igreja, bem como suas estruturas sociais. Para que uma determinada configuração institucional resulte de várias causas, um fator determinante de sua realidade vem a ser a eclesiologia que a justifica e fundamenta. Numa palavra, o fator teórico e o institucional necessariamente interagem.

Ordem existencial: Este fator diz respeito à vivência cristã de cada um na Igreja. Ora, a maturidade cristã é fruto do Espírito Santo. Que nos proporciona liberdade interior, sem a qual sucumbiríamos às nossas inclinações e jamais chegaríamos à necessária objetividade em nossos juízos e em nossas ações na Igreja.

Afinal, chegamos na importante questão se a igreja de hoje possibilita ou impede a existência de um autêntico sujeito eclesial. Para esta resposta é necessário primeiramente examinar o desenvolvimento da Igreja ao longo dos séculos, em seguida, abordaremos alguns elementos eclesiológicos que permitem e favorecem o surgimento de uma mentalidade necessária ao emergir do sujeito eclesial e, em seguida, examinaremos as estruturas eclesiais requeridas para que o indivíduo na Igreja possa realmente alcançar este status de sujeito. Por fim, veremos como nossa fé cristã não pode prescindir da Igreja. É daí que decorre nosso amor e gratidão para com a comunidade eclesial que nos anunciou Jesus Cristo e nos formou na fé em sua Pessoa.


II – A IGREJA QUE HERDAMOS

A expressão pode provocar estranheza por parte de algum de nós. Pois a Igreja Católica é sempre a mesma desde seu início. Caso contrário, ela deixaria de ser a comunidade dos seguidores de Jesus Cristo tal como podemos verificar nos relatos neotestamentários. Esta dificuldade vai exigir de nós uma reflexão prévia sobre a Igreja.

É preciso que tenhamos presente que a Igreja é uma realidade humano-divina.

Por um lado, ela nasceu por vontade livre de Deus, a quem deve também suas características fundamentais, que a distinguem de qualquer outro grupo social. Por outro, ela é uma comunidade de homens e mulheres, vivendo em contextos socioculturais e históricos bem determinados, que não podem ser excluídos de sua vida de fé, já que é exatamente no interior deles que Jesus Cristo pode ser anunciado e a resposta livre na fé pode ser dada. Já que estes contextos mudam no curso da história, muda também a forma do anúncio, da resposta, das expressões, das celebrações e das estruturas eclesiais. Podemos caracterizar o que compete a Deus como os componentes teológicos da Igreja, sem os quais ela deixaria de ser a comunidade dos seguidores de Jesus Cristo. São eles: a pessoa de Jesus Cristo, a ação do Espírito Santo, a proclamação da Palavra, a acolhida da mesma na fé, a celebração dos Sacramentos, especialmente do Batismo e da Eucaristia, a presença do ministério ordenado. Estas características provindas da revelação é que nos levam a denominar a Igreja como Povo de Deus, Corpo de Cristo, Templo do Espírito Santo, Comunidade Salvífica.

Marilza Lopes Schuina é presidente pela segunda vez consecutiva do Conselho Nacional do Laicato do Brasil

III – O SUJEITO ECLESIAL PRESSUPÕE UMA NOVA MENTALIDADE ECLESIAL

A relação entre o indivíduo e a instituição na qual vive é de natureza dialética. Se, por um lado ele é capaz de se confrontar com ela para avaliá-la e mesmo criticá-la, possibilitando assim seu desenvolvimento e aperfeiçoamento, por outro, sua visão da realidade com sua escala de valores é também, por sua vez, fortemente influenciada pela instituição.

Uma nova mentalidade eclesial pode se originar de um determinado comportamento e ação do indivíduo na Igreja, que não acontece naturalmente, a menos que o indivíduo conheça as razões (e esteja delas convencido) que o levam a este novo modo de se comportar. Sem estar esclarecido por esta fundamentação de seu agir ele pode se sentir mal na Igreja, e mesmo expressar seus sentimentos num protesto, em geral sem maiores consequências. Portanto, faz-se necessário apresentar explicitamente a argumentação que dê suporte à sua reivindicação e que consiga assim sensibilizar outros para as mudanças necessárias.

3.1  O indivíduo na Igreja como sujeito
A verdade de que cada membro da Igreja é sujeito eclesial e não apenas destinatário da ação pastoral da hierarquia, implica certamente uma compreensão adequada da Igreja. Os bispos reunidos no Concílio Ecumênico Vaticano II, fizeram a opção de iniciar a Constituição Dogmática sobre a Igreja, a partir de todo o povo de Deus, tratando em seguida dos diversos membros presentes na Igreja. Esta escolha foi decisiva para o tema que tratamos hoje nesta reflexão. Todos são membros da Igreja, todos gozam de igual “dignidade e ação comum”,[11] todos participam ativamente da ação evangelizadora da Igreja no mundo.[12]

Todo cristão é sujeito eclesial ativo, pela própria constituição de batizado. E assim, não dependem de qualquer investidura ou delegação posterior, para serem, conforme o carisma dado a cada um pelo Espírito Santo, verdadeiros sujeitos. Como diz a Gaudium et Spes: “Os leigos esperem dos sacerdotes luz e força espiritual. Contudo, não julguem serem os seus pastores sempre tão competentes que possam ter uma solução concreta e imediata para toda questão que surja, mesmo grave, ou que seja a missão deles. Os leigos ao contrário, esclarecidos pela sabedoria cristã e prestando atenção cuidadosa à doutrina do Magistério, assumam suas próprias responsabilidades”.[13]

A ação pastoral ad intra como própria de qualquer membro da Igreja, vem incrementada pela renovação dos ministérios na Igreja, assim como a ação do leigo ad extra, na sociedade e no mundo, sendo sinais do Reino de Deus e auxiliando a ação pastoral da Igreja em todas as frentes: na sociedade, no mundo da cultura, da política, da economia, das artes, entre outras. São, portanto, “competentes interlocutores entre a Igreja e a sociedade”. [14]

3.2  A ação do Espírito Santo em todos os membros da Igreja
É o Espírito Santo que age em toda comunidade eclesial, na Igreja inteira. É ele que quer plasmar nos batizados, uma existência semelhante a de Cristo[15], constituindo-os assim, filhos de Deus. Uma correta eclesiologia pneumática pressupõe, assim, uma adequada cristologia pneumática. Como consequência deste pensamento, indicamos:

É o Espírito Santo a fonte última dos carismas da Igreja; A plenitude do Espírito Santo na Igreja reside na totalidade dos diversos carismas e ministérios concedidos a todos os seus membros.

Podemos concluir que a representação tradicional de uma parte ativa e de outra, passiva, na Igreja contraria os dados da Escritura, empobrece a comunidade e deve ser eliminada. Toda a ação do Espírito Santo nos fiéis é, eminentemente, eclesial.


IV – O SUJEITO ECLESIAL PRESSUPÕE UMA NOVA CONFIGURAÇÃO ECLESIAL

4.1 A instituição condiciona o indivíduo
Já observamos que o indivíduo sofre forte influência da sociedade na qual se encontra e que, portanto, a consciência de ser sujeito eclesial não pode prescindir da Igreja concreta na qual vive. As práticas se institucionalizam de modo a organizar as experiências humanas, e oferecer uma unidade para um grupo social. É uma realidade objetiva. Esta compreensão acaba por formar a o entendimento da realidade, com comportamentos correspondentes. Esta compreensão constitui a tradição, que orienta a vida, a identidade, o lugar do sujeito no respectivo grupo humano.

Em se tratando da Igreja, tratando de uma determinada configuração eclesial, condiciona o cristão que nela vive. A herança recebida constitui uma mentalidade e um comportamento. Nesta análise, a ausência de um sujeito eclesial se deve em grande parte, à configuração que prescrevia a participação mínima dos fiéis. Portanto, é necessária uma adequada configuração institucional para a constituição de um autêntico sujeito eclesial.

4.2 O Espírito Santo como constituinte da Igreja
É preciso retomar uma pergunta inicial: a ação do Espírito Santo se restringe somente ao âmbito da individualidade, ou tem inevitavelmente uma consequência no âmbito comunitário e institucional? Ora, todos os batizados gozam de uma dignidade comum a todos os que pertencem à comunidade eclesial. Os sacramentos não são apenas sinais da graça, mas introduzem os cristãos num status novo, determinando relações peculiares com Deus e com os demais irmãos. A ação institucional da Igreja constitui a construção da comunidade, não se esgotando apenas no cristão como indivíduo. 

O Espírito Santo não é apenas o princípio de comunhão entre os fiéis, mas através deles continua agindo em vista da edificação do Corpo de Cristo.[16] Deste modo, “os fiéis devem colaborar no Evangelho, cada um conforme sua oportunidade, faculdade, carisma e função”.[17] É o Cristo glorificado que continua agindo na Igreja por seu Espírito. Através dele leva os fiéis a enfrentarem com criatividade e coragem os novos desafios postos pela história, dando uma configuração institucional adequada à sua Igreja.[18] E Como princípio de comunhão entre os fiéis, dá origem a instituições que possibilitem esta comunhão, podendo ser considerado como princípio co-instituinte da Igreja. Se há uma carência na compreensão da ação do Espírito Santo em toda a Igreja, a instituição permanece exterior ao indivíduo, que não contribui institucionalmente, já que a ação do Espírito Santo se limita ao âmbito de sua vida espiritual, não conseguindo uma expressão social e jurídica e favorecendo uma concepção individualista da salvação. Surge um hiato entre hierarquia e fiéis, uma mentalidade anti-institucional ou mesmo de um pentecostalismo como reação a esta situação.

4.3 A importância da Igreja local para a emergência do sujeito eclesial
Todo cristão se encontra inserido numa comunidade eclesial através da qual teve acesso e pôde escolher a pessoa e a mensagem de Jesus Cristo. Igreja para ele será principalmente esta comunidade concreta, localizada no tempo e no espaço, com suas riquezas e limitações, com sua linguagem e suas práticas. Por habitar no mesmo contexto sociocultural de sua comunidade o cristão pode melhor compreendê-la, mais facilmente escutá-la, mais diretamente nela participar, mais objetivamente avaliá-la. Numa palavra, em sua Igreja local o cristão encontra maior possibilidade de chegar a ser nela um sujeito verdadeiramente consciente e ativo.

A Igreja local, entendida fundamentalmente como a porção do Povo de Deus reunida num determinado território chamado diocese, confiada a um Bispo, para que a pastoreie em cooperação com o presbitério. Assim, a Igreja é constituída por iniciativa do Pai, na ação salvífica de Jesus Cristo, com a atuação do Espírito Santo em todos os fiéis e que os capacita a confessarem na a divindade de Cristo, a celebração desta fé nos Sacramentos, na constituição de uma comunidade presidida pelo ministério ordenado.

A fé de uma comunidade tende a se institucionalizar para poder perdurar. Esta comunidade deve assumir características próprias de cada povo ou região. Deve prestar atenção à ação do Espírito Santo e estar abertas a novas dimensões da fé. Este processo está a serviço do encontro salvífico do ser humano com Deus, a saber, como mediação que facilita e promove este encontro. Só assim a Igreja pode ser realmente sacramento da salvação de Jesus Cristo para o mundo. Só assim ela consegue ser uma realidade significativa para seus membros e para a sociedade.
Portanto, só na medida em que a autoridade eclesiástica é capaz de ouvir, dialogar, abrir espaços de participação e potenciar os fiéis, eles poderão ser realmente sujeitos eclesiais.



V – O SUJEITO ECLESIAL PRESSUPÕE LIBERDADE INTERIOR E AMOR À IGREJA

Depois de termos abordado a necessidade de uma nova mentalidade e de uma nova configuração para que possamos ter realmente na Igreja um sujeito eclesial, vejamos os requisitos do próprio indivíduo para que este possa desempenhar o papel ativo que lhe cabe na construção e na missão da comunidade eclesial. Naturalmente, aparecerá uma figura ideal, cujos traços dificilmente poderão ser encontrados na mesma pessoa, mas que surge como uma meta para a qual todos nós deveríamos tender.

5.1 A liberdade interior
Se a maturidade eclesial implica a capacidade de avaliar objetivamente e de agir coerentemente por parte dos indivíduos, então se impõe o exame prévio da existência ou não da liberdade interior. Podemos citar três critérios, a partir da pedagogia de liberdade de Santo Inácio de Loyola:
Primeiramente, seguir em tudo o modo de proceder de Jesus Cristo, através do estudo e da meditação de sua vida. Em segundo lugar, buscar sempre como meta o Reino de Deus. Finalmente, voltar-se para o que significa serviço autêntico e escondido, desprovido de poder e prestígio. Somente a liberdade interior nos livra da ambição e do medo. Esta liberdade interior é fruto do Espírito Santo (2Cor 3,17).

Numa sociedade pluralista, somos convencidos também na Igreja, da necessidade do diálogo franco e aberto, ajudando também que o ministério ordenado possa melhor exercer sua autoridade. É preciso que aprendamos a aceitar o diferente dentro da Igreja, sem considerá-lo uma ameaça ou um adversário. É necessário estarmos abertos ao diálogo. Não devemos sucumbir às diversas modalidades de condicionamentos. Conhecer os fundamentos da eclesiologia é necessário e urgente, para escaparmos dos psicologismos que levam a posicionamentos extremos, sejam de cunho tradicionalista ou revolucionário. Não é possível nivelar a Igreja a qualquer instituição social, segura isolada de sua missão. Não nos esqueçamos que a salvação nos veio pela obediência do Filho de Deus, que restaurou o seu Reino, em meio às fraquezas.

5.2 Amor à Igreja concreta
Como já dizia Santo Agostinho; “É na medida em que se ama a Igreja de Cristo, que se possui o Espírito Santo”.[19] Este amor à Igreja concreta nos leva a uma atitude prévia de respeito, acatamento e estima, tanto diante dos pronunciamentos e decisões da hierarquia, como igualmente diante das expressões simples da religiosidade popular. Por outro lado, a Igreja não nos obriga a uma obediência cega, mas à uma lucidez que provenha da própria experiência pessoal de uma vida fiel à ação do Espírito Santo. Portanto, toda e qualquer crítica deve brotar do amor à Igreja. Se acreditamos nas mudanças, elas devem surgir a partir de nós mesmos. Aprendemos assim a servir não a uma Igreja idealizada, mas à Igreja real, constituída por nós todos.[20]


VI – SAL DA TERRA, LUZ DO MUNDO

Ao utilizar a figura do sal e da luz, Jesus Cristo apresentou a essência da vida e do bem viver. O sal representa a humildade, o efeito escondido e se percebe no gosto, no paladar e conserva os alimentos para que não estraguem. O sal esconde, a luz mostra, oferece, reflete, brilha, purifica. Eis as atitudes de um bom cristão, ter o vigor do sal na vida pessoal, refletindo na família, no trabalho, provando que tem gosto e oferece segurança para que todos se sintam atraídos para o bem. O brilho dos cristãos se configura nessa passagem de Jesus, no primeiro capítulo do grande sermão (Mt 5-7).[21]

Os últimos três documentos da CNBB, até o início do Ano Nacional do Laicato, trazem uma sintonia e evolução pedagógica que contribui imensamente para que os cristãos leigos e leigas possam dar conta da sua missão na Igreja e na sociedade, revelando o caminho a ser percorrido no anúncio do Evangelho.

O documento 100 da CNBB, Comunidade de comunidades, uma nova paróquia, diz que devemos abrir as portas da nossa paróquia, sem nos perdermos na conservação de estruturas e em métodos ultrapassados de evangelização. É preciso renovar o método.
O documento 105 da CNBB, Cristãos leigos e leigas, sal da terra e luz do mundo, mostra que o protagonismo da nova evangelização está nas mãos e no coração dos cristãos leigos e leigas, sendo eles sujeitos na Igreja e na sociedade. É preciso renovar o sujeito.
O documento 107 da CNBB, Iniciação à Vida Cristã, apresenta um método para que nos voltemos às origens da nossa fé, no anúncio e no seguimento da Pessoa de Jesus Cristo, com a força do testemunho de fé e esperança. É preciso renovar o ardor do anúncio.

Por fim, constatamos a emergência do sujeito eclesial. É preciso que promovamos estes processos de transformação na Igreja, na qual todos somos responsáveis. Estas mudanças dependem de nós. Esta é a Igreja constituída de todos nós, seus filhos.

É preciso que os pressupostos anteriormente elencados sejam levados a sério pela hierarquia e demais responsáveis. Só assim a Igreja da América Latina realizará a contento sua missão de proclamar e implantar o Reino de Deus em nosso continente, de forma a tornar viva a ação da Igreja na sociedade, nas sociedades em que ela atua e vive. E assim se verá em resultados, uma renovação das pastorais e ministérios, e proclamarão com coragem e novo ânimo, a vida nova que eles mesmos vivem em Jesus Cristo.

Não tenhamos medo de abrir as portas do coração e das consciências, para que possamos, em Cristo, com Cristo e por Cristo, na Igreja, sinal e sacramento, sermos sinais do Reino de Deus. Que construamos um mundo melhor a partir de uma vivência cristã responsável, consciente do nosso batismo, atenta aos sinais que Deus nos propõe e, seguindo sustentados pelos sacramentos, possamos chegar mais perto da nossa razão de ser.




[1] As reflexões constantes neste livreto, foram compiladas, em sua maioria, a partir da obra de MIRANDA, Mario de França. É possível um sujeito eclesial? Brasília: Edições CNBB, 2018. Também outras reflexões pessoais, a partir da experiência humana e eclesial, fazem parte deste contexto ampliado de redação.
[2] CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE (CELAM). Documento de Aparecida (DAp). 5. Ed. Brasília: Edições CNBB; São Paulo: Edições Paulinas/Paulus Editora, 2008, n. 497a.
[3] Ibidem, n. 210.
[4] Ibidem, n. 211.
[5] Ibidem, n. 212.
[6] Ibidem, n. 213.
[7] Idem. Infelizmente nada se diz sobre uma preparação adequada do clero em vista de uma eclesiologia, não de dominação, mas de comunhão (ver DAp, n. 314-327; 191-200).
[8] DAp, n. 366.
[9] Idem.
[10] Ibidem, n. 365.
[11] CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentium (LG), n. 32.
[12] O mesmo vai ser afirmado da participação ativa de todos nos atos de culto (CONCÍLIO VATIVANO II. Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium (SC), n. 14).
[13] CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Dogmática Gaudium et Spes (GS), n. 143.
[14] DAp, n. 497a.
[15] Fl 3,11s.
[16] 1Cor 12; 14.
[17] CONCÍLIO VATICANO II. Decreto Ad Gentes (AG), n. 28.
[18] CONGAR, Y. A palavra e o Espírito, p. 94.
[19] In Johannem 32, 8 (P.L. 35, 1646)
[20] RAHNER, K. Betrachtungen zum ignatianischen Exerzitienbuch. Unchen, Kösel, 1965, p. 268.
[21] CLASEN, Dom Severino. O brilho dos cristãos leigos e leigas: “vós sois a luz do Mundo” (Mt 5,14). Brasília: Edições CNBB, 2018, p. 67s.

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