Os que passaram por
alguma universidade, especialmente por aqueles murais que contém mais oferta de
baladas e festas do que algum congresso ou evento científico, deparou-se com a célebre
frase, atribuída a Karl Marx: “A religião é o ópio do povo”. Entretanto, é preciso
entendê-la dentro do contexto que a gerou. Uma leitura atenta do texto inteiro,
intitulado “Para uma crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, entende-se sua
razão específica quando em termos da atuação clerical em detrimento do fundamento religioso.
Nesta época, ainda estava suficientemente preocupado com o caráter
contraditório do fenômeno religioso, o qual para Marx, servia para legitimar a
sociedade existente.
Não há de se negar que a religião
é uma realidade social e histórica. A religião então seria direcionada aos
interesses daqueles que a mantém suficientemente ativa, e fazem acontecer uma
real produção religiosa, tão importante ideologicamente, quanto uma produção
econômica. Engels vai animar a discussão de forma contundente, mostrando as
expressões sociais concretas que subsidiam a religião. Assim, distante das
análises naturalistas de Freuerbach, que via a religião como algo
essencialmente fora do seu tempo, agora o cristianismo é tratado como uma
instituição de caráter cultural em transformação contínua, adaptada à sociedade
burguesa e por esta, moldada às suas crenças materiais, tornando a religião um
esboço de uma sociedade esperada pelos ricos e burgueses.
Para Engels, o papel de
legitimação da ordem social estabelecida está em segundo plano, sobre o papel
crítico do fenômeno religioso. Ele chegou até a propor um paralelo entre o
cristianismo primitivo e o socialismo moderno. Na sua visão, ambos eram
movimentos de massa. Buscavam a libertação da escravidão e da miséria. Eram perseguidos, tanto os cristãos primitivos, quanto o socialismo moderno. O
diferente nos dois grupos, para Engels, é que aqueles postergavam a libertação
para após a morte e estes, lutavam pela libertação ainda neste mundo. Ele
analisou o fenômeno religioso à luz da luta de classes, óbvio para sua teoria.
Outros autores foram também nesta linha, como Kautsky, Lênin e Rosa Luxemburgo.
Inclusive afirmando que os apóstolos tinham traços de comunistas apaixonados e
que os padres e primeiros doutores da Igreja denunciavam exemplarmente as
injustiças sociais. Uma visão, uma análise. Para Luxemburgo, poder-se-ia inclusive
lutar pelo socialismo em nome dos valores cristãos, especialmente do
cristianismo original, aquele que consolidou-se até o início do quarto século,
onde a injustiça social era um dos focos mais destacados aos cristãos, além das
Escrituras.
Mas um dos maiores destaques do
pensamento comunista foi Gramsci, que teve grande interesse em compreender o
fenômeno religioso e o peso da cultura religiosa nas massas. Crítico das formas
conservadoras de religião, entendia que naquela época, ao seu ver também dentro
da Igreja, existiam correntes ideológicas que seguiam o manual das
classes a que pertenciam. Isso ele referia-se especialmente à Igreja presente
na Itália. Ernest Bloch amplia a discussão, trazendo em sua análise, a
distinção de duas correntes opostas: de um lado a religião oficial (assim
chamada, ópio do povo) e de outro, aquela religião clandestina, perseguida e
subversiva, a que fazem coro todas as heresias modernas. Assim chamado e
conhecido, ateu religioso e teólogo da revolução, Bloch afirma que a luta pelo
Reino da Liberdade, utopia firmada pelos socialistas, nada mais é do que uma herança
direta das heresias de outrora, reconfiguradas sob a égide da interpretação
socialista. A religião então possui duas vias paralelas: ópio e potencial de
revolta. Estas posições são também compartilhadas pela Escola de Frankfurt,
como sabemos.Enfim, estes tempos de discussão e novas ideias, nem sempre
primavam pelo rigor da realidade para desenvolver um pensamento tão bifurcado,
que conseguiu unir marxismo, psicanálise e cristianismo em um mesmo parágrafo,
entendido por poucos.
Para Lucien Goldmann, em sua
teoria mais original, insiste na tentativa de comparar a fé cristã com a fé
marxista, considerando que ambas fogem do individualismo e creem em valores
além dos indivíduos, como a crença em Deus ou a crença na formação de uma
comunidade humana de valores que visam essencialmente, respectivamente com o cristianismo e o comunismo,
obviamente. Ambas devem possuir uma fé em algo que não pode ser provado e
considerado imediatamente ao material e factual ou demonstrável.
Para considerar esta linha de
pensamento, deve-se lembrar das lutas que o cristianismo sustentou para
manter-se atual e atuante, especialmente nas primeiras décadas do século XX,
especialmente nos anos em que os sindicatos cristãos dominaram o movimento
operário em dezenas de países. Enfim, podemos considerar, inclusive, que as
análises feitas pelo socialismo sobre as formas de manifestação religiosa
puderam cumprir uma tarefa específica na crítica de temas vigentes naquelas
épocas e puderam inclusive determinar, em alguns países, a forma de atuação
social da Igreja, mais ou menos de acordo com o pensamento aceito pelos
cristãos daquelas décadas conturbadas.
O que se vai buscar, a partir de
então, é uma forma de integrar numa religião específica e concreta, a luta dos
pobres, cientes de que sua condição é forjada a partir do desenvolvimento
econômico, do qual são meros construtores, mas não usufruem igualitariamente. Numa
religião, buscarão organizar sua luta, inspirados por uma fé. Esta leitura de
libertação dinâmica e transformadora da sociedade, do sujeito, a partir de
ações concretas na sua Igreja será chamada, convencionalmente, Teologia da
Libertação, a partir de autores como Guttiérrez, Mesters e Boff, entre outros. Mas
isso é assunto para outra discussão.