domingo, 22 de junho de 2014

UMA (BREVE) ANÁLISE. MARXISMO E RELIGIÃO: AFINAL, POR QUE ÓPIO DO POVO?


Os que passaram por alguma universidade, especialmente por aqueles murais que contém mais oferta de baladas e festas do que algum congresso ou evento científico, deparou-se com a célebre frase, atribuída a Karl Marx: “A religião é o ópio do povo”. Entretanto, é preciso entendê-la dentro do contexto que a gerou. Uma leitura atenta do texto inteiro, intitulado “Para uma crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, entende-se sua razão específica quando em termos da atuação clerical em detrimento do fundamento religioso. Nesta época, ainda estava suficientemente preocupado com o caráter contraditório do fenômeno religioso, o qual para Marx, servia para legitimar a sociedade existente.

Não há de se negar que a religião é uma realidade social e histórica. A religião então seria direcionada aos interesses daqueles que a mantém suficientemente ativa, e fazem acontecer uma real produção religiosa, tão importante ideologicamente, quanto uma produção econômica. Engels vai animar a discussão de forma contundente, mostrando as expressões sociais concretas que subsidiam a religião. Assim, distante das análises naturalistas de Freuerbach, que via a religião como algo essencialmente fora do seu tempo, agora o cristianismo é tratado como uma instituição de caráter cultural em transformação contínua, adaptada à sociedade burguesa e por esta, moldada às suas crenças materiais, tornando a religião um esboço de uma sociedade esperada pelos ricos e burgueses.
Para Engels, o papel de legitimação da ordem social estabelecida está em segundo plano, sobre o papel crítico do fenômeno religioso. Ele chegou até a propor um paralelo entre o cristianismo primitivo e o socialismo moderno. Na sua visão, ambos eram movimentos de massa. Buscavam a libertação da escravidão e da miséria. Eram perseguidos, tanto os cristãos primitivos, quanto o socialismo moderno. O diferente nos dois grupos, para Engels, é que aqueles postergavam a libertação para após a morte e estes, lutavam pela libertação ainda neste mundo. Ele analisou o fenômeno religioso à luz da luta de classes, óbvio para sua teoria. Outros autores foram também nesta linha, como Kautsky, Lênin e Rosa Luxemburgo. Inclusive afirmando que os apóstolos tinham traços de comunistas apaixonados e que os padres e primeiros doutores da Igreja denunciavam exemplarmente as injustiças sociais. Uma visão, uma análise. Para Luxemburgo, poder-se-ia inclusive lutar pelo socialismo em nome dos valores cristãos, especialmente do cristianismo original, aquele que consolidou-se até o início do quarto século, onde a injustiça social era um dos focos mais destacados aos cristãos, além das Escrituras.
Mas um dos maiores destaques do pensamento comunista foi Gramsci, que teve grande interesse em compreender o fenômeno religioso e o peso da cultura religiosa nas massas. Crítico das formas conservadoras de religião, entendia que naquela época, ao seu ver também dentro da Igreja, existiam correntes ideológicas que seguiam o manual das classes a que pertenciam. Isso ele referia-se especialmente à Igreja presente na Itália. Ernest Bloch amplia a discussão, trazendo em sua análise, a distinção de duas correntes opostas: de um lado a religião oficial (assim chamada, ópio do povo) e de outro, aquela religião clandestina, perseguida e subversiva, a que fazem coro todas as heresias modernas. Assim chamado e conhecido, ateu religioso e teólogo da revolução, Bloch afirma que a luta pelo Reino da Liberdade, utopia firmada pelos socialistas, nada mais é do que uma herança direta das heresias de outrora, reconfiguradas sob a égide da interpretação socialista. A religião então possui duas vias paralelas: ópio e potencial de revolta. Estas posições são também compartilhadas pela Escola de Frankfurt, como sabemos.Enfim, estes tempos de discussão e novas ideias, nem sempre primavam pelo rigor da realidade para desenvolver um pensamento tão bifurcado, que conseguiu unir marxismo, psicanálise e cristianismo em um mesmo parágrafo, entendido por poucos.
Para Lucien Goldmann, em sua teoria mais original, insiste na tentativa de comparar a fé cristã com a fé marxista, considerando que ambas fogem do individualismo e creem em valores além dos indivíduos, como a crença em Deus ou a crença na formação de uma comunidade humana de valores que visam essencialmente, respectivamente com o cristianismo e o comunismo, obviamente. Ambas devem possuir uma fé em algo que não pode ser provado e considerado imediatamente ao material e factual ou demonstrável.

Para considerar esta linha de pensamento, deve-se lembrar das lutas que o cristianismo sustentou para manter-se atual e atuante, especialmente nas primeiras décadas do século XX, especialmente nos anos em que os sindicatos cristãos dominaram o movimento operário em dezenas de países. Enfim, podemos considerar, inclusive, que as análises feitas pelo socialismo sobre as formas de manifestação religiosa puderam cumprir uma tarefa específica na crítica de temas vigentes naquelas épocas e puderam inclusive determinar, em alguns países, a forma de atuação social da Igreja, mais ou menos de acordo com o pensamento aceito pelos cristãos daquelas décadas conturbadas.
O que se vai buscar, a partir de então, é uma forma de integrar numa religião específica e concreta, a luta dos pobres, cientes de que sua condição é forjada a partir do desenvolvimento econômico, do qual são meros construtores, mas não usufruem igualitariamente. Numa religião, buscarão organizar sua luta, inspirados por uma fé. Esta leitura de libertação dinâmica e transformadora da sociedade, do sujeito, a partir de ações concretas na sua Igreja será chamada, convencionalmente, Teologia da Libertação, a partir de autores como Guttiérrez, Mesters e Boff, entre outros. Mas isso é assunto para outra discussão.

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