segunda-feira, 7 de setembro de 2015

QUAL É A SENHA DO WI-FI?



Lá se vão mais de 30 anos quando tive o primeiro contato com um computador. Era o ano de 1984, enquanto era aluno no ensino fundamental. Um professor buscou peças no exterior e, com um monitor adaptado de um televisor de 14’, construiu uma primeira versão do que, no futuro, iria se tornar comum a quase todas as famílias.

Contando com os anos de escola, faculdades e pós-graduação, em 2017, quando espero concluir mais uma graduação, posso comemorar os 25 anos que passei da minha vida, aprendendo ou ensinando, a grande maioria deste tempo, sob a égide do cuspe e giz. Mas isso não é tudo, claro. Afinal, hoje se pode muito bem aprender ser ir à escola. Afinal, o mundo digital veio para ficar e devemos aprender a conviver bem com a tecnologia e o acesso que dela provém. Mais do que uma mudança de método e instrumentos, a era digital traz no seu viés, uma nova forma de pensar o mundo e de conviver. Em outras palavras, estamos construindo uma nova forma de comportamento, impensável naqueles felizes anos 80. 

Lembro ainda que, em 1995, quando comprei meu primeiro celular, um Motorola PT 550, literalmente um “gigante” da tecnologia na época, era simplesmente impensável que o celular pudesse fazer tudo o que hoje podemos fazer com um 
smartphone. Muita novidade em 20 anos. Muitas mais virão, certamente.

Naquele tempo onde tudo era uma novidade alvissareira e a meta era causar impacto por ter um aparelho ainda cobiçado pela maioria ignara e falar ao celular no restaurante era reprovar com estilo, no quesito educação básica. Pior ainda era falar em alto tom, o que pude presenciar, por diversas vezes, garçons estressados com clientes que jogaram fora o manual de etiqueta básica.


Mas hoje em dia, o susto é maior do que se imagina. Diante de um universo amplo e irrestrito de informações, somos impelidos a versar sobre a tecnologia da informação da mesma forma como construíamos passatempos imagináveis ou brincávamos de mapear uma cidade ou vender tudo o quanto podíamos no Banco Imobiliário, enquanto ouvíamos Legião, e a inflação avançava à galope na rua.


Talvez precisamos realmente é de uma nova tecnologia, mas de cunho comportamental. Aprender novamente a ser humano. Analisando cientificamente o comportamento humano nos nossos dias, é realmente necessária uma mudança de atitudes, ou seremos fadados ao esquecimento de nós mesmos, muito preocupados com a virtualidade e poucos satisfeitos com nossos relacionamentos. Quem sabe quando chegarmos num novo ambiente, cumprimentemos as pessoas, olhando-as nos olhos, antes de digitar a senha do wi-fi e nos sentarmos, finalmente, imóveis.

Compensar a busca de um conceito melhor sobre nós mesmos, através da análise superficial das redes sociais, coloca o sujeito em uma outra plataforma de apreciação. Este precipício entre a persona real e a virtual, é que torna a rede social um ambiente propício para o desconhecimento de si mesmo pelo olhar do outro.

Para o filósofo francês Emmanuel Levinas, é na própria relação humana, no outro ser humano, que a filosofia encontrará sentido para as coisas que busca explicar. E porque não dizer, que na relação com o Outro, este rosto que se apresenta a mim como uma pergunta, que eu me encontro, me desenvolvo e me recrio. Nesta relação com o Outro, encontro meu verdadeiro Ser. Esta consciência de estarmos diante de um Outro, é que nos torna humanos.


A tecnologia não nos pode afastar desta possibilidade de encontro. Diante do outro, eu guardo meu smartphone e coloco-me, inteiro, na sua presença que me constrói enquanto pessoa. É preciso tornar isso assunto nas escolas, universidades e empresas. Não podemos nos abster de nos responsabilizarmos pela construção dos sujeitos, enquanto espelhos de suas aspirações e parceiros de sua trajetória particular neste mundo. A qualquer momento, podemos nos separar em definitivo, sem possibilidade de recomeço.


Seria muito pouco dizer que não tirar o olho do smartphone é um simples atestado de má educação em nossos dias. Talvez nem a reflexão sobre a solidão acompanhada dê conta de tamanho desvio de rota. O que poderia ser um caminho, é o olhar que nos interpela: fale comigo, olhe nos meus olhos, vamos viver responsáveis um pelo outro...


Preencher nossas lacunas com o ambiente virtual, compartilhar superficialidades, nos afastam de um compromisso ético que se estabelece desde que nascemos e que aprendemos com a vida: existe um Outro além de mim. Compensar frustações com uma centena de likes, torna a vida ainda mais refém de uma tecnologia que nos veio para auxiliar e não nos isolar. Não nos move para frente. Ao contrário, nos iguala a experiências científicas de causa e efeito.


Diferente caminho nos leva a arte. Lacunas, são precisamente sustentadas pela arte, quando nos leva a não falsificar a realidade e o real que analisa nos seus traços. Sendo uma representação, a arte abre espaços onde possa operar o discurso. Abre um caminho de diálogo entre o artista e seu público. O ponto que falta, a cor que não aparece, a curva que não modela, são os espaços em que se pode iniciar a ponte discursiva do artista com seu espectador. Relativamente pouco importando o sentimento manifesto, interessa mais a causa de sua presença naquele objeto. Uma vez despossuído de sentido, nos encanta e aproxima da inconsciência do próximo sobre nós mesmos e nos viabiliza a construção primeira dos laços sociais.


Estar alheio a esta discussão pode nos levar a um lugar inóspito, de onde não tenhamos mais nem forças, nem vontade de sair. Diante da reiterada manifestação do Outro ao meu olhar, é imperativo encontrar nas opções do dispositivo móvel, a alternativa: desligar.

terça-feira, 23 de junho de 2015

É possível decidir caminhar ao encontro do diferente?

Nos dias atuais, em que brotam com significativa força e resistência, manifestações de grupos extremistas, torna-se muito oportuno aprofundar as relações entre as religiões no mundo contemporâneo. O texto da 9ª Sinfonia de Beethoven, compositor conhecido de todos, manifesta de forma incontestável, este desejo universal pela paz entre os povos.

O Concílio Ecumênico Vaticano II, com a Declaração Nostra Aetate, publicada em 28 de outubro de 1965, apresenta uma reflexão importante para todo o mundo católico, servindo de referência para diversas denominações religiosas. Neste cenário, poderá nascer uma integração possível entre os seres humanos, entendendo-se a religião como eixo existencial da maioria das culturas.

Acima de tudo, o compromisso da Igreja é com o bem comum e a fraternidade entre os povos que buscam a paz. O compromisso com o Evangelho é fundamental para a vida da Igreja. Esta fraternidade move homens e mulheres a construírem seu próprio destino no mundo, cada vez mais atravessado pelas diferenças e semelhanças entre os povos.

Ao penetrar no íntimo do coração humano, a religião busca estender os princípios norteadores que, basicamente, puseram os povos no caminho da construção e consolidação de suas culturas. De forma geral, o que o sujeito contemporâneo busca, através da religião, é um sentimento de irmandade, de comunidade, de algo em comum com o outro. Um ser humano que, no limiar da era digital, busca a fraternidade e a relação de irmãos.

Ao tomar alguns pontos importantes que são destaques atuais e aprofundá-los, tem-se o compromisso de garantir que o assunto não seja esquecido ou mal interpretado, especialmente nestes tempos, em que o diálogo entre as grandes religiões torna-se cada vez mais necessário e urgente.

Assim, é preciso buscar um caminho de promoção do diálogo, a partir do mútuo reconhecimento e estima entre as religiões. Ao reprovar qualquer tipo de discriminação e perseguição, especialmente a religiosa, enfatiza-se uma significativa mudança na forma de tratamento. Desde o Concílio Vaticano II, há um esforço intenso por parte da Igreja Católica, para fazer chegar a todos os seus membros, um novo vigor apostólico. Pautado pelo respeito, ciente dos erros do passado, a Igreja busca, pelo acolhimento e pelo testemunho de todos os seus membros, fazer um novo caminho de fraternidade entre as diversas manifestações religiosas.

Enfim, os que buscam compreender estes sinais dos tempos, é imprescindível que possam ser um ponto de referência e sentido, para ampliar as formas de diálogo. Aprender a conviver e buscar ações concretas que possam ampliar e solidificar o que une as várias referências religiosas, ultrapassando assim, o senso do ordenamento legal, para uma efetiva ação solidária e fraterna.

Ao observar tudo o que já foi feito neste caminho de fraternidade e respeito entre as religiões e o futuro das ações de diálogo inter-religioso, observa-se, nas palavras do Papa Francisco, um único objetivo comum: seguir em frente e não desistir, avaliando e valorizando cada passo.

Recentemente, o Papa Francisco recomendou aos Bispos do Benin, país africano de grande fortalecimento espiritual e pastoral e que, no seu olhar do Sucessor de Pedro, “é um exemplo de harmonia entre as religiões presentes no seu território”[1], um constante empenho missionário, necessário para que não morra o que já foi anunciado e que se preserve as raízes cristãs que subsistem naquele país africano. Não é possível acomodar-se com o que foi realizado até aqui. É preciso ir mais longe.


Papa Francisco com líderes religiosos (2014)

Preocupado com as recentes perseguições a cristãos em todo o mundo, o Papa alerta os bispos sobre a necessidade de um real encontro entre as culturas, assim como um diálogo entre as religiões, citando especialmente o Islã.

Com a finalidade de delinear a título de exemplo, de modo mais ou menos amplo, o que hoje acontece nos continentes africano e asiático, deparamo-nos, num primeiro olhar com este continente como um imenso desafio pastoral à Igreja. Ao mesmo tempo, este desafio provoca uma fonte de renovação da vida eclesial. Destes continentes, surge um novo e transformador sopro de vida para a Igreja, por extensão, a todos os demais continentes.

Recentemente, o Papa Francisco recomendou aos Bispos do Benin, país africano de grande fortalecimento espiritual e pastoral e que, no seu olhar do Sucessor de Pedro, “é um exemplo de harmonia entre as religiões presentes no seu território”[2], um constante empenho missionário, necessário para que não morra o que já foi anunciado e que se preserve as raízes cristãs que subsistem naquele país africano. Não é possível acomodar-se com o que foi realizado até aqui. É preciso ir mais longe.

Preocupado com as recentes perseguições a cristãos em todo o mundo, o Papa alerta os bispos sobre a necessidade de um real encontro entre as culturas, assim como um diálogo entre as religiões, citando especialmente o Islã.

Finalmente, é necessário que todos os que creem em um Deus que a todos observa, acompanha e anima, deem testemunho da fecunda transformação pessoal e da transformação existencial que fizeram, sendo luz a todos os que se colocam no caminho em busca do mistério último e inefável que envolve a nossa existência (NE, 1).

Fica o compromisso de todos os cristãos a fundamentar, em tempos de intolerância, um novo modo de manifestar a fé: pela compreensão do outro. Acolher cada qual com sua cultura e suas crenças, é imperativo diante do mundo que espera um criativo  testemunho daqueles que acreditam.


[1] L’OSSERVATORE ROMANO. Herança frágil. Papa Francisco aos Bispos do Benin. 27 abr. de 2015. Edição 2.362. p. 3.
[2] L’OSSERVATORE ROMANO. Herança frágil. Papa Francisco aos Bispos do Benin. 27 abr. de 2015. Edição 2.362. p. 3.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

DIRETO DE ALGUM LUGAR DA IDADE MÉDIA...

Diante das dantescas cenas que presencio diariamente no início de cada semestre, nas movimentadas ruas que cercam as Instituições de Ensino Superior (IES), especialmente observando em Florianópolis, mas também conhecedor de que alvoroços semelhantes ocorrem em milhares de outras espalhadas pelos quatro cantos do país, não tenho como ficar alheio a questionar o sentido desta tradição que remonta à Idade Média e que insistem em manter vivo, de um único jeito e forma, o que já morreu: o trote estudantil.

Mascarado de rica tradição acadêmica, de elevado valor histórico, pleno de sentidos e integrador dos alunos advindos de várias cidades ao ambiente universitário, o trote, muitas vezes encarado até como uma prática religiosa na qual se opõem em lados contrários, iniciados e iniciantes, na realidade, enfatiza, especialmente nos últimos tempos, seu caráter mais degradante, sobretudo excludente, que põe de lado as presumíveis boas maneiras e qualidades mais diversificadas da boa recepção dos calouros pelos veteranos, notórios conhecedores dos valores humanistas que se vive na universidade. Assim, “domar” o calouro para que aprenda a andar (trotear) segundo as leis convencionadas e convenientes aos veteranos, parece ser uma forma de interpretação e significado, que encontra fundamento no “trote” aplicado pelos calouros. O método então diz: aprende-se a trotear, na base da bordoada. Mas isso, claro, é apenas uma interpretação.

Isso desde o tempo em que a elite brasileira do século XIX, muito especialmente, após retornar de longos tempos de estudos e esbórnia nas universidades europeias, trouxe na bagagem este ritual, implantando-o sem contestar nas instituições brasileiras que vinham nascendo. Assim, encontrou terreno fértil em todas que mostravam algum exagero na nostalgia pela Mãe Europa, colonizadora e matriz do desenvolvimento almejado para estas terras, para as plagas coloniais.

O que pensar hoje de um jovem cidadão que vem para a universidade, pensando que aqui ele finalmente vai ter acesso ao conhecimento de alta qualidade, alicerçado na discordância e questionamento com tudo aquilo que de mais retrógrado existe no pensamento contemporâneo e se depara com uma prática medieval, colonial e humilhante, que remonta a um tempo do passado, que o conhecimento universitário alardeia relegar à obscuridade e à ignorância? Aqui esta prática ainda é aclamada como moderna, ideal e sofisticada forma de integração social e boa técnica de acolhida, apoio e inclusão dos que começam uma nova fase nas suas vidas, que poderá os levar a entender o mundo e transformá-lo com uma prática pessoal inovadora.

Quando ingressei numa faculdade de SC, não me contive diante de alguns absurdos que observei, diante da violência dos alunos e da ausência de posição da direção. Encaminhei um e-mail a todos os diretórios acadêmicos de dezenas de cursos, assim com o ao centro acadêmico daquela universidade, demonstrando e exemplificando as vantagens sociais, políticas, culturais, inclusive ideológicas do assim chamado trote solidário ou trote cidadão. Expliquei longamente o benefício aos diversos cursos, caso a caso, em demostrariam para a sociedade que uma nova geração estava entrando no ambiente universitário, um novo cidadão iniciava seu processo de responsabilidade social e que não estavam vidando às costas à cidade, durante os quatro, cinco ou mais anos em que estivessem presentes naquela urbe. Convenceriam assim que desejavam mais a mudança da sociedade pelo exemplo deles próprios do que gritar por reformas em praça pública e em casa, fazer diferente. Não recebi um retorno sequer daqueles e-mails que encaminhei.

Mas, para minha surpresa, no semestre seguinte daquele ano, estavam em todos os murais da universidade,  convites ao Trote Solidário: campanhas de alimentos para asilos e centros comunitários da periferia, com visitas aos locais com veteranos e calouros, formação de grupos para doarem sangue, campanhas de agasalhos, cobertores, colchões, móveis, para diversas famílias em situação de risco social, visitas à clínicas de tratamento de dependentes químicos, trabalhos voluntários para reformas e pinturas de creches, praças e áreas de lazer das comunidades carentes, enfim, uma gama de ações que colocavam aos olhares da cidade, um novo cidadão que revelava uma face ainda não vista daquele ambiente estudantil, daqueles cursos que encontravam no trote solidário uma forma de estarem mais perto daqueles ambiente em que no futuro iriam atuar.  

Finalmente, fica aqui um olhar para a reflexão a partir de uma experiência pontual que deu certo. Passaremos longe do medo de que aconteçam trotes violentos que estampem as capas dos jornais do mundo inteiro, como aquele que em fevereiro de 1999, mostrou o horror de um corpo no fundo de uma piscina e um grupo de alto reconhecimento social, os aprovados em Medicina na USP, sendo chamados para depor sobre a morte do estudante Edison Chi Hsueh, vítima de trote na festa de recepção dos calouros daquela renomada instituição.

A universidade que se ufana dos valores humanistas cultivados sob os limites de suas fronteiras, não pode ser responsabilizada por atos que aconteçam extra murus (?). Mas deveria, talvez sim, ser corresponsável pela (in)consequente formação ético-social-humanista de seus alunos, mesmo os mais alheios ao processo acadêmico, muitas vezes mais visitantes do ambiente universitário, e mais fiéis frequentadores de baladas e festas que são divulgadas à exaustão nos murais e corredores do ambiente universitário. 

Se não conseguimos desenvolver cidadãos para o novo, para a criação do ainda não visto, para a inovação, a pesquisa e a proposição de uma sociedade em que se possa conviver com responsabilidade e sentidos comuns, o que nos resta é observar hordas cruéis de pedintes, esmolando atenção social e míseros centavos nos semáforos, levando ao riso uma sociedade que desacredita que quem repete alegremente costumes que remontam à dita “obscuridade medieval”, possa ser responsável para transformar uma sociedade que grita a carência de líderes que mostrem novos caminhos e significados, analisem o passado e construam uma nova cidadania, cunhada mais na ética e no compromisso social do que na educação formal, ainda alheia, por vezes omissa, ao desenvolvimento integral da pessoa, uma tarefa que ainda lhe é colocada aos ombros.

terça-feira, 31 de março de 2015

A ÚLTIMA CEIA


O Evangelho proclamado nas missas desta Terça-Feira Santa, revela a cena em que Jesus anuncia que será traído por um dos Doze Apóstolos.
A pintura mais famosa deste momento, a Última Ceia (em italiano L'Ultima Cena) é um afresco feito pelo gênio italiano, Leonardo da Vinci. Ele levou três anos (1495 a 1498) para concluí-la. Retrata o momento em que os Apóstolos perguntam a Jesus: acaso sou eu, Senhor? (Mt 26, 22). A Última Ceia está no Convento de Santa Maria delle Grazie, em Milão.
A obra sofreu sérias agressões ao longo do tempo desde a abertura de uma porta pelos padres do convento (misericórdia!!!), até ao bombardeio aéreo na Segunda Guerra Mundial. A mais recente restauração levou 22 anos.
É uma das obras de artes mais reproduzidas, parodiadas e pesquisadas de todo o mundo.

quinta-feira, 26 de março de 2015

São José, Patrono da Igreja.

Reflexão proferida na novena em preparação para a Festa de São José, Esposo de Maria (19/03/2015)


Ao longo dos últimos dias, pudemos nos aproximar ainda mais, de uma das mais instigantes personagens das páginas sagradas: o pai e protetor de Jesus, o esposo de Maria: José, o justo (Mt 1, 19). E São José tem seu lugar na cultura religiosa de nosso povo, há séculos.

Mas, afinal, alguém poderia assegurar, com toda certeza e convicção, quem foi este homem que todos conheciam em Nazaré como “o carpinteiro”?

Quem pode ter uma resposta clara às perguntas: quem é realmente este homem que acolheu tarefa tão importante na história da salvação, dando abrigo, educação e profissão, àquele que veio para falar das coisas do Reino de Deus e nos salvar? Quem dentre nós poderia já ter compreendido, a completa dimensão da responsabilidade dada a um simples operário, filho de Jacó, esposo de Maria?

Nestes dias, nós vimos a trajetória de um José que tornou-se pai, que pôs-se a caminho. Construiu, passo a passo, ao longo da sua vida, uma estrada de sonhos e uma estrada de atitudes. Desde o momento em que pensou em despedir secretamente Maria e não denunciá-la, até quando aceitou a paternidade, acolhendo Maria como a legítima esposa, ele vai aos poucos, compreendendo que o que “nela foi concebido, era obra do Espírito Santo” (Mt 1,20). Tornou-se pai por ação do mesmo Espírito Santo, que acompanhará o Filho por toda a infância, na juventude, no deserto e até na cruz; nela ele entrega à Igreja este mesmo Espírito Santo que guiou e animou a Igreja, pela água do batismo e pelo sangue dos mártires, ao longo dos séculos.

No texto sagrado, por quatro vezes, José mereceu receber mensagens em sonhos. Estas o levaram a tomar atitudes fundamentais para a vida da Sagrada Família. Atitudes que tiveram como meta, a proteção. O texto diz que o Anjo do Senhor, falava diretamente com ele em sonhos. Logo após, José tomava, imediatamente, uma atitude. Punha-se de pé. Transforma sonhos em realidade em todos os momentos.


Na primeira ocasião, quando entendeu e assumiu sua missão, acolhendo a paternidade terrena. Na segunda ocasião, foi para o Egito com a mãe e o menino. Na terceira vez, obedeceu e retornou do Egito para Israel. Na última ocasião, ao chegar finalmente nas terras de Israel, partiu para a cidade de Nazaré, onde fixou morada definitiva. Nas quatro ocasiões, de maneiras distintas, José é chamado a tomar uma atitude e assumir com zelo de pai, a família que Deus Pai estava colocando em suas calejadas mãos. Um modo de agir que comprova sua acertada disponibilidade em colaborar, sem duvidar. Em atender, sem recusar.

Assim como a maternidade na cultura judaica destaca-se em importância, a José coube, por outro lado, a formidável tarefa de dar o nome de Jesus (Yehosshu’a, ou Yahweh Salva). Ele é o pai de direito, diante dos homens de sua comunidade. Quem dá o nome, é também o responsável, por aquele que nomina. A José coube, até o final da vida, cuidar do filho de Deus feito homem. Ao dar o nome de Jesus, José acreditou. Entendeu e obedeceu a voz do anjo.

No Templo de Jerusalém, reconheceu a profecia divina nas palavras de Simeão e Ana. Viu que seu Filho crescia em sabedoria, e a força de Deus estava com Ele. Ao perceber o rápido crescimento e amadurecimento de Jesus, com o passar dos anos e dos acontecimentos, vai recordando o cumprimento da palavra do Senhor: “tu o chamarás com o nome de Jesus, pois ele salvará o seu povo dos seus pecados” (Mt 1, 21). Conseguia distinguir o filho querido, de tantas outras crianças da sua idade. Acreditava que o nome de Jesus realizaria uma missão única: salvar. Salvar o povo.

Anos mais tarde, novamente no Templo, após procurar o menino por três dias, escutou do seu filho, as difíceis palavras: “Por que me procuravam? Não sabiam que eu devo estar ocupado com as coisas de meu Pai?” (Lc 2, 49).

Reconheceu ao longo dos dias e noites, que o seu filho tinha uma missão muito além dos limites das paredes da simples carpintaria de Nazaré. No trabalho, entre formões, serrotes e prumos, José pôde ensinar àquele que é Mestre e Senhor (Jo 3, 13). O filho ali era um operário, forjado na vida disciplinada do trabalho e na Justiça. O pai, ali era um aprendiz, observador do filho, trabalhador e justo. O trabalho simples, diário, caprichoso, faz com que o jovem Jesus percebesse a rotineira trajetória do tempo; aprendesse, então, que uma tarefa na carpintaria demorava para ser concluída. Não poderia ser antecipada, enquanto cola e pregos não estivessem prontos e firmes na sua função. Ainda levaria tempo para que compreendesse porque veio a este mundo; “ainda não chegou a minha hora” (Jo 2, 4).

O manejo da madeira maciça, o suor que escorre, o silêncio de cumplicidade entre pai e filho, frequentemente quebrado pelo constante martelar, furar, grampear e lixar... Após dias de trabalho, a peça finalmente pronta! O preço justo. A venda. A Justa recompensa pelo trabalho concluído. Finalmente, a gratificação. Na mesa, o pão, o vinho, a refeição. Ao redor da mesa, a família. Agora, a alegria do dever cumprido: “meu pai trabalha e eu também trabalho” (Jo 5, 17).
Podemos, no cair desta tarde, acolher São José como um amigo que pode nos mostrar como SONHAR e agir com o coração cheio de justiça. José nos ensinará a sermos dedicados operários da igreja, protetores responsáveis, vigilantes e obedientes à vontade de Deus. Peçamos que seja nosso padrinho, nos acompanhe em nossa caminhada vocacional, e que nos conduza, do silêncio de sua carpintaria, aos ruidosos desafios que o mundo nos apresenta ao nascer de um novo dia.

Sendo zeloso cuidador da família que constituiu, José foi ao longo da tradição da Igreja chamado de “o Justo”, título que o Evangelho segundo Mateus lhe conferiu. Este título diz muito para os leitores daqueles primeiros tempos após a Ressurreição e também a cada um de nós hoje. Num mundo marcadamente injusto, José é o homem que apresenta a todos os que creem, um caminho para continuar a crer em Deus.

São José é reconhecidamente, na história da Igreja, tido como "o protetor". Talvez seja a tarefa que mais se destaca no contexto evangélico. A proteção à mãe e ao filho, despreocupando-se consigo, seus sonhos pessoais, ou com o que os outros falavam daquela família, sempre que Jesus tornava-se o centro das atenções na pequena Nazaré. É com sua tarefa de pai do Salvador, que ele vai constituindo-se Justo, protetor e Santo aos olhos de toda a comunidade dos crentes. José ingressa na História da Salvação trazendo o zelo cuidadoso do operário da madeira.

A liturgia, a Igreja reconhece de modo claro, a função de protetor de São José. Os ensinamentos dos Sumos Pontífices a este respeito se fundamentam em suas próprias convicções e experiências de fé ao longo de suas vidas, em recomendarem para toda a Igreja, À Celebração do nome glorioso de São José. A Igreja evidencia a dignidade única de São José, sendo que ele é o segundo em dignidade depois da Virgem. Foram frequentes as intervenções de Pio XI e depois de Pio XII que repropuseram São José como Patrono e modelo dos operários (11 de março 1945), assim como do papa Paulo VI. Devemos lembrar também o quanto São João XXIII, quis que São José fosse o Patrono do Concílio Vaticano II, dada a necessidade da proteção do Santo Patriarca para este acontecimento da Igreja.

São João Paulo II acrescenta que nós ainda hoje temos motivos suficientes para recomendar a São José cada homem e cada mulher.  Afirma ainda que o seu patrocínio "é necessário ainda hoje para a Igreja, não somente para a defesa contra os perigos, mas também e sobretudo, para confortá-la no seu renovado empenho de evangelização no mundo e de re-evangelização naquelas nações, onde a religião e a vida cristã são colocadas a duras provas".

Também o papa Francisco colocou sua missão apostólica e toda a Igreja, sob a proteção de São José. Ao trazer o tema da família como pauta essencial nestes dias que a Igreja atravessa, o papa aponta para a Sagrada Família de Nazaré, como o modelo de amor, obediência, harmonia e virtude.

Termino aqui, lembrando aquele momento especial em janeiro deste, em que o papa Francisco revelou um hábito muito pessoal que tem há muitos anos. Durante seu discurso às famílias em Manila nas filipinas, o papa citou o santo como modelo de silêncio, abandono em Deus, mas também de ação. Francisco lembrou que São José é mencionado nos Evangelhos, repousando, enquanto lhe é revelada a vontade divina em sonhos. O papa confidencia: “No meu escritório, eu tenho uma imagem de São José dormindo; e dormindo, ele cuida da Igreja. Quando eu tenho um problema ou uma dificuldade, eu o escrevo em um papelzinho e o coloco embaixo de São José, para que ele sonhe sobre isso. Isso significa: para que ele reze por este problema”.

O papa termina sua mensagem, nos pedindo que nunca deixemos de lado a capacidade de sonhar. É preciso também levantar-se do sonho, como fez São José, para que possamos ser sal e luz, e fazer acontecer o Reino de Deus no hoje.

Que possamos aprender com este homem chamado José, a real virtude de escutar e compreender os sinais com que Deus nos aponta a sua vontade, e trabalhemos ativamente pela proteção à Igreja, agindo sempre com justiça, caridade e misericórdia.

SÃO JOSÉ, PATRONO DA IGREJA, ROGAI POR NÓS!