Lá se vão
mais de 30 anos quando tive o primeiro contato com um computador. Era o ano de
1984, enquanto era aluno no ensino fundamental. Um professor buscou peças no
exterior e, com um monitor adaptado de um televisor de 14’, construiu uma
primeira versão do que, no futuro, iria se tornar comum a quase todas as
famílias.
Contando com os anos de escola, faculdades e pós-graduação, em 2017, quando espero concluir mais uma graduação, posso comemorar os 25 anos que passei da minha vida, aprendendo ou ensinando, a grande maioria deste tempo, sob a égide do cuspe e giz. Mas isso não é tudo, claro. Afinal, hoje se pode muito bem aprender ser ir à escola. Afinal, o mundo digital veio para ficar e devemos aprender a conviver bem com a tecnologia e o acesso que dela provém. Mais do que uma mudança de método e instrumentos, a era digital traz no seu viés, uma nova forma de pensar o mundo e de conviver. Em outras palavras, estamos construindo uma nova forma de comportamento, impensável naqueles felizes anos 80.
Lembro ainda que, em 1995, quando comprei meu primeiro celular, um Motorola PT 550, literalmente um “gigante” da tecnologia na época, era simplesmente impensável que o celular pudesse fazer tudo o que hoje podemos fazer com um smartphone. Muita novidade em 20 anos. Muitas mais virão, certamente.
Naquele
tempo onde tudo era uma novidade alvissareira e a meta era causar impacto por
ter um aparelho ainda cobiçado pela maioria ignara e falar ao celular no
restaurante era reprovar com estilo, no quesito educação básica. Pior ainda era
falar em alto tom, o que pude presenciar, por diversas vezes, garçons
estressados com clientes que jogaram fora o manual de etiqueta básica.
Mas
hoje em dia, o susto é maior do que se imagina. Diante de um universo amplo e
irrestrito de informações, somos impelidos a versar sobre a tecnologia da
informação da mesma forma como construíamos passatempos imagináveis ou
brincávamos de mapear uma cidade ou vender tudo o quanto podíamos no Banco Imobiliário, enquanto ouvíamos Legião, e a inflação avançava à galope na rua.
Talvez
precisamos realmente é de uma nova tecnologia, mas de cunho comportamental.
Aprender novamente a ser humano. Analisando cientificamente o comportamento
humano nos nossos dias, é realmente necessária uma mudança de atitudes, ou
seremos fadados ao esquecimento de nós mesmos, muito preocupados com a
virtualidade e poucos satisfeitos com nossos relacionamentos. Quem sabe quando
chegarmos num novo ambiente, cumprimentemos as pessoas, olhando-as nos olhos,
antes de digitar a senha do wi-fi e nos sentarmos, finalmente, imóveis.
Compensar a
busca de um conceito melhor sobre nós mesmos, através da análise superficial das
redes sociais, coloca o sujeito em uma outra plataforma de apreciação. Este
precipício entre a persona real e a virtual, é que torna a rede
social um ambiente propício para o desconhecimento de si mesmo pelo olhar do
outro.
Para
o filósofo francês Emmanuel Levinas, é na própria relação humana, no outro ser humano, que a filosofia encontrará sentido
para as coisas que busca explicar. E porque não dizer, que na relação com o
Outro, este rosto que se apresenta a mim como uma pergunta, que eu me encontro,
me desenvolvo e me recrio. Nesta relação com o Outro, encontro meu verdadeiro
Ser. Esta consciência de estarmos diante de um Outro, é que nos torna humanos.
A
tecnologia não nos pode afastar desta possibilidade de encontro. Diante do
outro, eu guardo meu smartphone e coloco-me, inteiro, na sua presença
que me constrói enquanto pessoa. É preciso tornar isso assunto nas escolas,
universidades e empresas. Não podemos nos abster de nos responsabilizarmos pela
construção dos sujeitos, enquanto espelhos de suas aspirações e parceiros de
sua trajetória particular neste mundo. A qualquer momento, podemos nos separar
em definitivo, sem possibilidade de recomeço.
Seria
muito pouco dizer que não tirar o olho do smartphone é um simples atestado de má educação
em nossos dias. Talvez nem a reflexão sobre a solidão acompanhada dê conta de
tamanho desvio de rota. O que poderia ser um caminho, é o olhar que nos interpela:
fale comigo, olhe nos meus olhos, vamos viver responsáveis um pelo outro...
Preencher
nossas lacunas com o ambiente virtual, compartilhar superficialidades, nos
afastam de um compromisso ético que se estabelece desde que nascemos e que
aprendemos com a vida: existe um Outro além de mim. Compensar frustações com
uma centena de likes,
torna a vida ainda mais refém de uma tecnologia que nos veio para auxiliar e
não nos isolar. Não nos move para frente. Ao contrário, nos iguala a
experiências científicas de causa e efeito.
Diferente
caminho nos leva a arte. Lacunas, são precisamente sustentadas pela arte,
quando nos leva a não falsificar a realidade e o real que analisa nos seus
traços. Sendo uma representação, a arte abre espaços onde possa operar o
discurso. Abre um caminho de diálogo entre o artista e seu público. O ponto que
falta, a cor que não aparece, a curva que não modela, são os espaços em que se
pode iniciar a ponte discursiva do artista com seu espectador. Relativamente
pouco importando o sentimento manifesto, interessa mais a causa de sua presença
naquele objeto. Uma vez despossuído de sentido, nos encanta e aproxima da
inconsciência do próximo sobre nós mesmos e nos viabiliza a construção primeira
dos laços sociais.
Estar
alheio a esta discussão pode nos levar a um lugar inóspito, de onde não
tenhamos mais nem forças, nem vontade de sair. Diante da reiterada manifestação
do Outro ao meu olhar, é imperativo encontrar nas opções do dispositivo móvel,
a alternativa: desligar.
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