Reflexão apresentada durante a oração do terço no dia 07 de maio de 2017, sobre o mistério da Assunção da Virgem Maria, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos homens pretos, como parte da programação alusiva ao Ano Nacional Mariano de 2017.
“A minha alma engrandece o Senhor! Exulta meu espírito em Deus, meu Salvador! ” Lc 1, 47
Nesta noite, somos convidados para adentrar no Mistério, somos chamados a acolher com os olhos da fé, aquela Virgem, Mãe e Esposa, que foi o que deveríamos ter sido desde o princípio e que é aquilo que nós seremos.
Vamos nos demorar um tanto de tempo a buscar conhecer aquela que é modelo de virtude e de atividade apostólica. A atenção da Igreja em meio aos séculos, fez florescer uma reflexão importante que hoje queremos aprofundar.
Daquela que desde os tempos apostólicos se falou, reconhecida como membro “eminente da Igreja”[1], que é Mãe da Igreja, porque é “Mãe d’Aquele, que, desde o primeiro instante da encarnação no seu seio virginal, uniu a si como Cabeça o seu Corpo Místico que é a Igreja”.[2]
Ao longo dos séculos, é aclamada por sua condição de virgem, esposa e mãe, figura da Igreja.[3] Por suas virtudes, é modelo da Igreja. Nela, os renascidos pelo batismo se inspiram no exercício da fé, da esperança, da caridade e na atividade apostólica.
Aquela que ainda hoje continua intercedendo a obter para a Igreja, os dons da salvação eterna. Sua presença maternal junto aos filhos, é um carinho de Deus para todos os que aceitam caminhar para visitar quem estiver necessitado, que mesmo sem as compreender, calar as palavras de Deus no coração e a permanecer de pé, diante da cruz para a qual cada um de nós precisará olhar ao longo da sua vida.
Hoje, portanto, falaremos da pessoa da Virgem Maria, assunta ao céu em corpo e alma. Esta é a imagem escatológica e a primícias da Igreja. Em Maria, toda a Igreja contempla com alegria, o que ela toda deseja e espera ser. [4] É nesta silenciosa mulher de Nazaré, que encontramos um sinal eloquente de “segura esperança e consolação”[5]
É numa perspectiva cristológica, isto é, a partir da missão de Jesus Cristo, que vamos procurar adentrar no mistério da Assunção da Virgem Maria aos céus, o último dogma mariano dos nossos tempos.
A presença de Maria na História da Igreja
O papa João Paulo II, na encíclica Redemptoris Mater, “A mãe do Redentor”, de 1987, afirma que o Ano Mariano, celebrado com grande alegria naquele mesmo ano, deveria “promover uma nova e aprofundada leitura do que o Concílio disse sobre a bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, no mistério de Cristo e da Igreja”[6]
A Assunção de Maria, em toda a história da Igreja, foi interpretado de diversas formas e com diversos enfoques, que trouxeram à tona, aquela piedade própria dos filhos amados de Cristo. É preciso, portanto, mais do que uma piedade pessoal ou comunitária, aproximar a figura da Virgem, dos homens e mulheres de nosso tempo, salientando sua “imagem histórica” de humilde mulher hebreia. É preciso mostrar os valores humanos que estão presentes em Maria, que são permanentes e universais.
Maria foi a mulher por excelência e cada vez mais devemos procurar entender o significado deste nome, pelo qual nos veio a salvação, Jesus Cristo!
Em Maria, com efeito, “tudo é relativo a Cristo”[7] Assim, somente no mistério da vida de Cristo é que podemos compreender o mistério da vida de Maria. Quanto mais a Igreja vai compreendendo esta singularidade de Maria, Virgem, Mãe e Esposa é que pode compreender o papel dela no Mistério da Salvação.
Em Maria, devemos entender que tudo, os privilégios, a missão e o destino é também ligado a todo o mistério da Igreja. Por fim, em Maria, tudo é relativo à pessoa humana, ao humano, ao homem e à mulher. Ela é nossa Mãe, mas é nossa irmã, no sentido que nela somos elevados para junto de Deus com toda a Igreja, numa antecipação com o que acontecerá com aqueles que creem, no final dos tempos.
Em Maria, encontramos o mistério da Igreja. A Igreja, contemplando Maria, nela reconhece suas próprias origens, sua natureza intima, a sua missão de graça, o destino de glória, o caminho de fé que deve percorrer.
A Igreja vê no Sim de Maria, aquele Sim que a comunidade dos discípulos de Jesus é chamada a dar ao mundo a cada dia. Na missão de Maria ao lado de seu Filho, a Igreja é convidada a sair de si mesma, de um auto referenciar-se estéril, para caminhar ao encontro daqueles que estão dentro e fora da sua comunidade. A Igreja é convidada, ao contemplar o mistério da glória de Maria, elevando para junto de seu Filho aquele mesmo corpo que lhe foi entregue pela graça da sua Imaculada Conceição, um corpo santo e puro de fieis que acorrem a ela, nela reconhecem uma Mãe e Mestra dos povos todos.
Por fim, em Maria, tudo é relativo ao homem, de todos os lugares e de todos os tempos. Ela é um valor humano, unida a nós pela mesma linha de Adão, sendo uma nova Eva, disponível a todos os necessitados de salvação, para a qual ela aponta o Filho.
Para os discípulos de Cristo, Maria é o grande símbolo do homem que alcança as aspirações mais íntimas da sua inteligência, da sua vontade e do seu coração, abrindo-se por Cristo e no Espírito à transcendência de Deus e no serviço aos irmãos.
Maria oferece ao homem contemporâneo a visão daquela realidade vitoriosa da esperança sobre a angústia, da comunhão sobre a solidão, da paz sobre a inquietação, da alegria e da beleza sobre o tédio, da vida sobre a morte.[8]
Entre todos aqueles que creem em Cristo, Maria é como um espelho, no qual se espelham no modo mais profundo e mais límpido, “as grandes obras de Deus” [9] que hoje a Igreja e, especialmente a Teologia, tanto precisam ilustrar.
Neste Ano Mariano Nacional, somos chamados a conhecer melhor o lugar de Maria no mistério de Cristo e da Igreja. A Liturgia nos apresenta a cada ano, a Festa da Assunção de Nossa Senhora, e nas igrejas orientais, a chamada Dormição da Theotókos, a Dormição da Mãe de Deus. Os textos apresentam uma menção tanto no ocidente, como no oriente, àquela que que passou deste exílio para o céu por uma especial providência divina, como nos afirma o papa São Gregório Magno. Ele também cita seu antecessor, o papa Adriano I, quando escreveu ao Imperador Carlos Magno, sobre a festividade da assunção: “É digna de veneração a festividade deste dia, em que a Santa Mãe de Deus sofreu a morte temporal; mas não pode ficar presa com as algemas da morte aquela que gerou no seu seio o Verbo de Deus encarnado, vosso Filho, nosso Senhor”.[10]
As palavras de louvor à Mãe do Verbo, expressas com sobriedade na liturgia latina, são aclamadas amplamente nas liturgias orientais. Chamam a este privilégio de Maria, como o “inexplicável mistério, tanto mais digno por ser proclamado, quanto é único entre os homens, pela assunção da Virgem”. Na liturgia bizantina, a Assunção corporal da Virgem Maria é relacionada diversas vezes não só com a dignidade de Mãe de Deus, mas também com os outros privilégios especialmente com a sua maternidade virginal, decretada por um singular desígnio da Providência divina, como bem diz o texto litúrgico bizantino: “Deus, Rei do universo, concedeu-vos privilégios que superam a natureza; assim como no parto vos conservou a virgindade, assim no sepulcro nos preservou o corpo da corrupção e o glorificou pela divina translação”.[11]
A festa da Assunção, ao longo da história da Igreja, foi elevada ao rito das festas mais solenes do ciclo litúrgico. Já de longa data, a Natividade, a Anunciação, a Purificação e a Dormição (esta última celebrada já com o nome de Assunção da bem-aventurada Mãe de Deus, no século IX. Foi o Papa São Leão IV que mandou acrescentar à festa a vigília e a oitava.
A liturgia conserva e protege a fé católica, como uma árvore que dá bons frutos. Na pregação neste dia de festa não se comemora somente a incorrupção do corpo morto a santíssima Virgem, mas principalmente, o triunfo por ela alcançado sobre a morte e a sua celeste glorificação, à semelhança do seu Filho unigênito.
São João Damasceno distingue-se como um dos grandes pregadores sobre a Assunção: “Convinha que aquela que no parto manteve ilibada virgindade conservasse o corpo incorrupto mesmo depois da morte. Convinha que aquela que trouxe no seio o Verbo encarnado, habitasse entre os divinos tabernáculos no céu. Convinha que morasse no céu, aquela que o Eterno Pai desposara. Convinha que aquela que viu o Filho na cruz, que teve o coração transpassado por uma espada de dor, contemplasse a glória de seu Filho. Convinha que a Mãe de Deus possuísse o que era do Filho, e que fosse venerada por todas as criaturas como Mãe e Serva do mesmo Deus”.[12]
À medida que a festa litúrgica foi se espalhando, maior foi o número de bispos e oradores sagrados que julgaram ser seu dever explicar com largo esforço, o mistério que se venera desta festa e mostrar como ela estava intimamente relacionada com as outras verdades reveladas. Muitos utilizaram-se dos Salmos para aprofundar a beleza da fé na Assunção, como aquele que faz menção ao poder glorioso de Deus: “Levanta-te, Senhor, para o lugar do teu repouso, tu e a arca de teu poder”.[13] Na Arca da Aliança, feita de madeira incorruptível e colocada no templo de Deus, viam como que uma imagem do puro corpo da Virgem Maria preservado da corrupção do sepulcro e elevado à glória do céu. Também na figura de uma rainha “que sobe pelo deserto, como leve coluna de fumaça, exalando incenso e mirra” para ser coroada.[14]
Maria também foi interpretada como aquela mulher revestida de sol, com a lua aos pés e uma coroa de doze estrelas na cabeça, a que o apóstolo João contemplou na ilha de Patmos.[15]
Santo Alberto Magno compara a Virgem com Eva, e afirma clara e terminantemente que Maria foi livre das quatro maldições que caíram sobre Eva.[16] Também é certo para outros, como São Boaventura, que no sermão da natividade de Maria tem como certo que assim como Deus preservou Maria santíssima da violação da integridade virginal ao conceber e dar à luz seu filho, assim não permitiu que o seu corpo se desfizesse.[17]
Mais próximo de nós, o jesuíta São Pedro Canísio venera e celebra este mistério da Assunção com filial defesa e não a contradiz, como fizeram alguns no seu tempo: “Esta opinião, admitida há vários séculos e tão impressa na alma dos fieis, e tão recomendada pela Igreja, que quem negasse a Assunção ao céu do corpo de Maria santíssima nem sequer seria ouvido com paciência, mas seria vaiado como pertinaz, ou mesmo temerário, e imbuído mais de espírito herético do que católico”.[18] Era a época reforma protestante (séculos XVI e XVII), na qual o santo especialmente empenhou-se em combater.
A Mãe unida ao Filho. Esta é a mensagem central do mistério da Assunção da Virgem Maria. Aquela que recebeu nos braços o autor da vida, agora no céu, é recebida glorificada pelo Filho com um abraço especialmente esperado desde o princípio. A nova Eva retorna ao jardim, unida ao novo Adão, Jesus Cristo.
A Igreja inteira, olhando para Maria, vê a sua própria imagem e espera poder desfrutar deste mesmo abraço do amado esposo. Aquela que primeiro terminou o curso de sua vida terrestre foi assunta em corpo e alma à glória celestial, para nós hoje é modelo do sonho que Deus tem para cada um de seus filhos, a vida feliz ao seu lado.
Que este Ano Mariano Nacional nos indique os caminhos a seguir com a Igreja que venera e imita as virtudes da sua filha mais querida! Que cada um de nós, ao terminar sua passagem por este mundo, possa com Maria, cantar de corpo e alma, aquele hino que abre o evangelho de Lucas: “A minha alma engrandece o Senhor, e meu espírito se alegra em meu Deus.(...) porque o Poderoso fez para mim coisas grandiosas. O seu nome é Santo e sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem.
Que Maria, Mãe da Igreja e nossa, acolha esta nossa prece de fé e nos prepare para aquela morada feliz junto de seu Filho, pois ela é “feliz porque acreditou”.
[1] Lumen Gentium, 53.
[2] Paulo VI, Allocutio tertia SS. Concilii período exacta, 1964, 56.
[3] Paulo VI, 1964, 64.
[4] Sacrossanctum Concilium, 103.
[5] Lumen Gentium, 68.
[6] Redemptoris Mater, 48.
[7] Marialis cultus, 25.
[8] MC, 57.
[9] At 2, 11.
[10] São Gregório Magno, Sacramentarium gregorianum.
[11] Minaei totius anni.
[12] SÃO JOÃO DAMASCENO. Encomium in Dormitionem Dei Genetricis semperque Virginis Mariae, hom. II, 14.
[13] Salmo 131, 8.
[14] Ct 3, 6; cf. 4,8; 6,9.
[15] Ap 12, 1ss.
[16] SANTO ALBERTO MAGNO. Sermones de Santis, sermo XV: In Annuntiatione B. Mariae; cf. também Mariale, q. 132.
[17] SÃO BOAVENTURA. De Nativitate B. Mariae Virginis, sermo 5.
[18] SÃO PEDRO CANÍSIO. De Maria Virgine.
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