sábado, 23 de novembro de 2019

O REINO DE DEUS JÁ ESTÁ NO MEIO DE VÓS. (Lc 17,21)



Inicialmente, para entendermos o que é o Reino de Deus, é preciso saber de onde veio esta expressão e quem formulou por primeiro este jeito de pensar a relação comunitária com Deus.

Israel nasceu da junção de várias etnias e vivia unido em pequenas comunidades. O Senhor Deus era o rei de Israel. Seu culto, bem simples, em altares de terra ou de pedras mal talhadas, era dirigido por anciões. Mas, ao ver que cada povo em volta tinha seu rei, pediram também ao profeta Samuel um rei: “Dá-nos um rei que nos governe, como o têm todas as nações”. (1Sm 8,4-5)

O Senhor manda Samuel atendê-los, embora com isso estejam rejeitando o reinado do Senhor, quando diz ao profeta: “Não é a ti que eles rejeitam, mas a mim, pois já não querem que eu reine sobre eles”. (1Sm 8,7-9)

Samuel previne o povo sobre os males que lhe advirão com a escolha de um rei, mas o povo não ouve suas advertências e que um rei mesmo assim. Então, o Senhor manda Samuel atendê-los. O primeiro rei foi Saul (1Sm 10,1). A seguir foi ungido Davi (1Sm 16,12-13). E, logo após seu filho, Salomão (1Rs 1,39). A partir daí, o culto foi centralizado pelo rei que agora cuidava do Templo aonde o povo tinha que acorrer. “E Davi disse: ´É aqui a casa do Senhor Deus e este o altar dos holocaustos de Israel’”. (1Cr 22,29)

O rei recebia vários títulos que lhe conferiam status semelhante à divindade: intocável, pastor do povo, senhor do universo, embora esta tradição já começa a ser aplicada ao futuro Messias, Jesus Cristo. Ele é Rei (Mt 2,2; Mt 27,42; Jo 1,49), mas o seu reino não é deste mundo. (Jo 18,33-38) Por isso não aceita ser aclamado rei dominador e terreno (Mt 4,9-10)

O Reino de Deus teve início com a instituição temporal e nacional do reino de Israel. Após o exílio da Babilônia, o Reino do Messias é considerado, numa ordem mais religiosa e espiritual, como uma era de paz e de justiça universais. Nosso Senhor elevará este Reino messiânico acima de toda perspectiva nacional e temporal: trata-se, acima de tudo, do Reino de Deus nas almas, de sua manifestação exterior nas almas e de sua consumação gloriosa no fim dos tempos.

O Reino de Deus é primeiramente todo o universo, em razão de sua criação e conservação.
O Reino de Deus é, de um modo especial, o povo de Israel, em razão de sua escolha.
O Reino de Deus é instaurado no NT, mediante a pregação da penitência e da conversão.

Ao Reino de Deus são chamados primeiramente os judeus e, depois, todos os homens e mulheres.
Este Reino tem uma fase temporal e outra eterna. É uma expressão que aparece nos livros mais recentes do AT, com no livro da Sabedoria e no livro de Daniel. Indica, desde o AT, a soberania de Deus nos seres humanos: Deus Reina, Deus é Rei.

No NT, a expressão Reino de Deus é mais presente nos evangelhos sinóticos: Mateus, Marcos e Lucas. É o tema central da pregação de Jesus. É ilustrado com muitas parábolas e anunciado como uma realidade já presente “O reino de Deus já está no meio de vós” (Lc 17,21). O cumprimento pleno será na escatologia, nos últimos tempos da vinda de Jesus. Até lá, Deus precisa reinar em mim.

Isso inquietou São Bernardo de Claraval (1090-1153), um monge do Séc. XII, quando diz que a meta da vida cristã não é a visão de Deus aqui na terra, pois ele sabe que isso está reservado para o céu. Nem tampouco perseverar na fé “conhecendo” a Deus através da intelectualidade ou dos dogmas. Para conhecer a Deus, é preciso que ele venha ao nosso encontro. E para isso São Bernardo tem uma direção certa.

Antes dele, os cristãos falavam de duas vindas de Cristo. A primeira foi a vinda humilde e histórica na Encarnação. A segunda será o seu retorno glorioso, que porá fim à história tal como nós a conhecemos e que inaugurará um novo céu e uma nova terra. Mas, onde é que Cristo está neste espaço de tempo intermediário entre a Ascenção e a Parusia?

São Leão Magno (400-461 d.C.) afirmou num sermão sobre a Ascenção, que no dia de sua exaltação ao céu “sua presença visível passou para os sacramentos”. Cristo não está mais disponível aos nossos sentidos corporais, mas está presente à nossa fé. Foca-se então na divindade de Cristo, de modo que intensifiquemos a fé nele. Os sacramentos são sinais e mistério de sua presença no nosso meio.
São Bernardo acreditava que não é mais possível relacionar-se com Cristo da mesma forma que os discípulos nos bons e velhos tempos da Galileia. Este modo nos poderia desfazer a nossa salvação, uma vez que Cristo nos redimiu precisamente por sua Morte, Ressurreição e Ascenção.

Mas como Jesus poderia se relacionar com a pessoa humana, então? Ele mesmo disse: “Se alguém me ama, guardará minha palavra, e meu Pai o amará e nós viremos a ele e faremos nele nossa morada. (Jo 14,23) Jesus havia prometido habitar naqueles que o obedeciam. De igual modo, em Mateus, suas últimas palavras são: “E eis que estarei convosco até o fim do mundo” (Mt 28,20) É promessa divina, portanto, realizável de fato. Jesus está conosco, ele é Verdade e fala a verdade.

Mas Jesus vem a nós de forma humilde, próxima, como um amigo. Mas um amigo cuja presença nos traz sentimentos de temor reverencial. Vem para iluminar nossas mentes e corações. Nossas decisões e atitudes. Ele vem a nós interiormente, não “lado a lado”, como um ser humano para o outro. Vem na intimidade do dois-em-um. Como duas almas num só corpo, como duas pessoas numa só carne. Conosco Ele quer ser um só. Amigo, Deus-Presença. “Ninguém conhece o Filho senão o Pai; e ninguém conhece o Pai a não ser o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar”. (Mt 11,27)

A possibilidade de se relacionar com Jesus que São Bernardo nos apresenta, no aqui e agora, memória e presença, encontro e despedida, nos torna mais atentos à presença de Cristo em nós, nos nossos irmãos, na Igreja, nos sacramentos. Não nos afasta da realidade, mas a torna objetiva.

Na vida sacramental que encontramos Jesus presente em nosso meio. Nos sacramentos, o Espírito Santo de Deus vem fazer morada em nós de uma forma que nos faz acolher Deus verdadeiramente, como nosso Rei. É em nós que ele quer reinar. Ele também percebeu que obedecer a Deus depende claramente da imagem que fazemos de nós mesmos e de Deus.

São Bernardo entendeu, primeiramente, que para um grande número de pessoas de seu tempo, Deus era Senhor e a criatura, escravo, servo. Não importava a classe de pessoa. Mesmo se fosse o rei terreno: Deus era “Rei dos reis”. Não importava se fosse um senhor feudal. Deus era o “Senhor dos senhores”. Portanto, neste estágio, a obediência a Deus era pelo medo. Medo com uma boa mistura de ressentimento: ai de mim se não obedecer a Deus. O castigo seria terrível.

Enquanto refletia sobre este grupo, percebeu que havia um outro grupo de pessoas, para os quais Deus não era um senhor terrível, mas um rico Senhor, para o qual se poderia conseguir algum lucro. Pensava-se: paciência. Podemos suportá-lo, pois Ele nos dará algo que bem merecemos! Dele ganharemos dinheiro, prosperidade, saúde, bens, sucesso, vida longa. Sim, o obedeceremos, mas não se esqueça da sua generosidade. São Bernardo os chamava este grupo de mercenários!

Ele identificou, por fim, um terceiro e último grupo. Os integrantes viam Deus como um Pai. Não negavam seu poder. Não negavam sua abundância infinita. Mas percebiam que nem o poder, nem as riquezas eram características determinantes de Deus. Mas Deus era um Pai tão autêntico, que fazia o sol brilhar para os justos e os injustos, e a chuva cair sobre os gratos e os ingratos. Que cuidava de suas criaturas, de cada fio de cabeço, de cada pássaro do céu. Era um Deus benevolente.

Entretanto, o impressionava que este terceiro grupo não gerou esta imagem a partir de si mesmos. Antes, receberam por Revelação da realidade de Deus na Pessoa, nas palavras, nos gestos e no destino de Jesus Cristo. Ora, se Deus é Pai, então eu devo ser seu filho. Minha obediência não requer segundas intenções: medo ou privilégios. Trata-se de uma resposta espontânea à bondade de um Pai que continuamente experimento em minha vida. Esta obediência, portanto, se baseia numa experiência de relacionamento com Deus, na comunidade. Aqui o que conta não é evitar sua ira ou obter seus benefícios, mas conta simplesmente a alegria de perseverar indefinidamente, na relação com Deus, meu Rei, meu Senhor e meu Pai: “Minha alegria é fazer a vossa vontade”. (Sl 118,16)

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

O REINO DE DEUS ESTÁ ENTRE VÓS


   



    I – SÍNTESE BÍBLICO-TEOLÓGICA

1.         O antigo Testamento e do Reino de Deus
No Antigo Testamento, os israelitas consideraram Deus como soberano, “rei das nações” (Jr 10,7), “grande rei de toda a terra” (Sl 47,3). Entretanto é preciso saber o que eles queriam dizer com estas expressões.

a)      Tradições históricas e oracionais
A expressão “Deus reina” pode ter nascido com a monarquia israelita. Provavelmente os reis exerciam também a função judicial, sobretudo velando pelos indefesos sem proteção alguma. Os Salmos falam de governar o povo com justiça, salvar os pobres (Sl 72,2.4).
É lógico que os israelitas entendessem reino não como um território, mas como realidade social que proclamava mudança de relações humanas no mundo. Entretanto, os reis de Israel e Judá não estiveram, em geral, à altura de sua missão.

b)      Tradições proféticas e apocalípticas
Diante deste horizonte nada favorável, os profetas foram depositando o cumprimento das aspirações de justiça do povo, na pessoa do Messias. Este, descendente de Davi, implantaria a justiça na terra. A experiência amarga do exílio não diminuiu esta esperança. Ao contrário, a reavivou. Como diz o Salmo 47,4 o Messias realizará o seu juízo à história.
Esta esperança, da revelação do poder de Deus na história humana, é característica dos profetas, foi recolhida nos escritos apocalípticos. Na época dos Macabeus, Israel resiste à invasão dos gregos. Os autores apocalípticos, fazem soar o grito pela justiça definitiva de Deus. Autores como Daniel, revelam a figuro da Filho do Homem, que virá para estabelecer o reinado de Deus sobre a ruína dos invasores. 

c)       O poder salvífico de Deus
Podemos ver então o que celebrava o israelita quando clamava a Deus como rei: celebrava o poder salvífico de Deus. Este poder se faz presente sobretudo nas intervenções históricas em favor da vida do seu povo, cujo ponto mais significativo foi a libertação da escravidão no Egito (Ex 15,18; Nm 23,21). O cântico de ação de graças pela libertação é um hino que resume a experiência salvífica: “Reina, Senhor, para sempre”. (Ex 15,18).
O Reinado de Deus se desdobrará totalmente no final dos tempos (Sl 98,9). Neste dia cessarão as discórdias e os reis de toda a terra sentarão numa mesma mesa comum. É o banquete messiânico, quando haverá paz e justiça no mundo e todos serão como irmãos.
No Novo Testamento, a expressão Reino de Deus que se lê nos evangelhos foi formulada progressivamente ao longo do Antigo Testamento e traz a mensagem de Jesus como o que trouxe o reino e com o qual ele se identificou.

2. O Novo Testamento e o Reino de Deus 

a)      Expectativas e reações dos judeus
A tradição judaica gerava diversas expectativas entre o povo judeu, no tempo de Jesus. Aqueles que pensavam o reino numa visão mítica, o aguardavam com grande poder e glória. Porém, veio a humildade da carne e não o reconheceram (Lc 17,20; Jo 1,10-11).
Seria o Messias a instaurar o reino e ele reinaria no universo. Ele vencerá o mundo presente, corrompido e estabelecerá, no final dos tempos, seu reino, um mundo novo e definitivo. Para converter este sonho em realidade, era necessário expulsar os inimigos de Israel, mesmo que para isso fosse necessário pegar em armas, ou submeter-se totalmente à Lei. Assim pensavam os fariseus. Já não se pode esperar mais que esta hora se realize. Era preciso fazer alguma coisa. Os discípulos de Jesus pressentiam que ele era o Messias (Lc 9,51-56; 19,11) e que iria dispor do Poder de Deus para esta mudança. 

b)      A chegada do Reino
Jesus não deu simples definições do Reino, mas compartilhou as esperanças que a tradição judaica lhe havia legado sobre como Deus reina.  Sobretudo, apresentou a sua vida como novidade radical, como mensageiro anunciado por Isaías (Is 52,5-7), que traz a grande notícia: Deus, em sua pessoa, aproxima-se totalmente dos homens, cumprindo assim suas promessas de salvação, da mesma forma como se comunicou a Moisés. Se antes enviou Moises para salvar seu povo, agora envia o próprio Filho para anunciar esta salvação plena.
Os anseios mais profundos dos homens e das mulheres de Israel encontravam eco realizado no que Jesus era e no que lhes dizia, porém, no mesmo tempo, sentiam-se desconcertados por seu proceder. Jesus mostrava-se herdeiro das tradições do AT sobre o Reino (MC 13,26), porém sabia romper os esquemas vigentes de seus contemporâneos e inaugurava o caminho novo do Servo de Javé (Lc 4,16s). Jesus abria caminhos diferentes do esperado e começou a tornar realidade a proximidade de Deus e sua presença salvífica do Pai. 

c)       Cristo mesmo é o Reino de Deus
Jesus começou sua pregação anunciando que “o reino de Deus está próximo” (Mc 1,15). Ao final de sua vida não temerá mostrar diante do governador romano: “Tu o dizes, eu sou rei” (Jo 18,37), e ouvirá da cruz a súplica do ladrão: “Lembra-te de mim quando vieres como rei” (Lc 23,42). Jesus, ao longo de sua vida, percebia que o reino futuro estava se tornando presente em sua ação e que, na sua pessoa, aparecia na terra algo novo: o amor infinito do Abbá, do Pai, por todos os seres humanos (Mc 1,15). 

d)      Sinais do Reino
O comportamento de Jesus com os pobres explicitou a missão que o Pai o encarregava, de instaurar o reino de Deus. Sua insistência em comer com os pecadores, traduzia este núcleo da sua mensagem. Sua presença e o Reino estavam discretamente presentes no coração das parábolas, respeitando a liberdade dos ouvintes. Por isso foi diferente a reação dos que o ouviram proclamar. Aceitar e converter-se ou rechaçar e fugir da luz. O Reino de Deus vai sendo apresentado em muitos “milagres, prodígios e sinais” (At 4,2) que mostravam que somente estaria no meio de todos, se acolhessem a pessoa e a mensagem de Jesus. Por onde passava, a todos libertava: das doenças, do mal e da morte. Trazia presente o Reino. 

e)      Características do Reino e condições para entrar nele
O povo acolhia a mensagem de Jesus de maneiras diferentes. À semelhança da parábola do semeador. É verdade que encontra obstáculos, porém o grão também cai em terra boa e dá frutos. Um grão de mostarda cresce, um pouco de fermento leveda a massa toda. Gestos sem grande relevo, vão aos poucos transformando vidas e corações. Sempre há uma esperança em mudança e vida nova. Jesus comunicava aos seus ouvintes, por imagens e parábolas, os segredos do Reino. O Reino não se pode medir, ou dizer que “está aqui ou ali, porque o reino de Deus está dentro de vós” (Lc 17,21). Em mistério, o reino está escondido, no coração daqueles que o aceitam. Mas para a plenitude do reino, é preciso que o grão de trigo morra. Na morte da semente está contida a vida (Jo 12,24).

3. A missão da Igreja 

a)      Reino e Ressurreição
A manifestação do ressuscitado e a vinda do Espírito santo confirmou definitivamente aos discípulos o começo da chegada do reinado de Deus que Jesus anunciara em sua existência terrena. À pessoa de Jesus se vinculava a pregação do Reino. Jesus anunciava o Reino. A Igreja nascente anuncia Jesus ressuscitado. Estão seguros de que anunciar o ressuscitado é anunciar o reino (At 19,8; 20,25; 28,23; 1Ts 2,12). O Reino consistirá de agora em diante, no objetivo da ação missionária. Receberão o Espírito Santo e serão testemunhas do Ressuscitado no meio do mundo (At 1,8). A Igreja será sinal do Reino de Deus entre nós. 

b)      Igreja e Reino
A Igreja está a serviço do Reino. Ela existe para evangelizar (EN 14). Como Jesus, é chamada a ser sinal do Reino (LG 5). Ao longo da história, deu frutos abundantes. Mas não está livre dos assaltos do Mal. Daí que comece a evangelizar a si mesma a fim de poder evangelizar o mundo (EN 15). O Espírito suscita a cada tempo, testemunhas, às vezes escondidas, que vão encarnando os valores do Reino no mundo. O Reino já está, misteriosamente, em nosso meio. A Igreja não esgota toda a riqueza do Reino, mas é germe e princípio dele aqui na terra. 

c)       Sacramentos, vida cristã e Reino
Quando um cristão celebra a Eucaristia, faz presente este mistério do Reino. Reconhece sua colaboração com o mal, é reconciliado, escuta a Palavra e participa do banquete dos batizados. Torna-se missionário, propagador do Reino, sal, fermento e luz no mundo.
Já São Paulo recordava aos cristãos o valor da ceia do Senhor (1Cor 11,26), e o Mestre estabelecera um laço de união entre a última ceia e o banquete do Reino (Mc 14,25). Este processo também se realiza em cada um dos sacramentos. É o Espírito Santo que leva a pessoa a aspirações, compromissos e realizações que aparecem como sinais de Deus para o mundo. Esforçam-se a repartir com mais equilíbrio seus bens e não esquecem da dignidade humana e da união fraterna. São frutos que buscamos construir para serem iluminados pela ação de Deus através de seu Filho Jesus, presente na sua Igreja e nos Sacramentos. 

d)      Diferentes formas de vida na história
A existência humana, aberta ao Espírito Santo de Deus, é o Reino. Este entendimento do Reino se deu de diversos momentos na história. Nos primeiros séculos, como afastamento do mundo, na vida monástica. Os mendicantes, na Idade Médio, compreenderam a partir da humilde vida simples e ao serviço aos pobres. O século XVI, a compreendeu como heroica superação pessoal e forte empenho missionário. Os santos da modernidade, viveram a partir da caridade e da abnegação até o martírio. No nosso tempo, viver no mundo, sem por ele se contaminar pelas suas ilusões, mas com fé viva.


      II – OS SINAIS DO REINO, HOJE 

     a)      Anseios humanos, sinais da realidade do Reino
A semente do Reino, semeada no mundo, caiu em terrenos diferentes. Mas os frutos já começaram a serem colhidos. Mesmo embora os sinais da presença do Reino estejam envoltos na limitação e ambiguidade de tudo o que é histórico, apesar de todas as contradições sempre emerge no mundo alguma coisa de humanizador.
Hoje desenvolve-se na consciência dos homens e mulheres grande respeito à natureza, ao mesmo tempo em que há grande degradação. Levanta-se por toda a parte o clamor pela paz, que coexiste com a tragédia da guerra. Ao mesmo tempo que a humanidade tem visto nascer a consciência sobre si mesmo, simultaneamente vê-se envolta em ações e atitudes desumanizadoras. 

b)      Sinais diversos no nível relacional
Em relação com a pessoa, aflora uma busca progressiva de unificação, cresce a consciência da dignidade da pessoa e seus direitos. 

c)      Em relação com a natureza
Cada vez mais, as ciências sociais buscam dar resposta à exigência universal de uma mais justa distribuição da riqueza e de uma vida mais simples e respeitosa com relação a tudo que nos cerca e a toda a humanidade. 

d)      Em relação com Deus
Surge o desejo, sempre presente, de encontrar sentido à vida, de buscar a transcendência, a verdade, uma espiritualidade que sacie a sede do coração humano. Estes desejos manifestam-se em fatos, configurados como movimentos globais.
Enfim, distinguir os sinais do Reino é tarefa de todos os batizados. É preciso fé para buscar conhecer os caminhos que Deus nos mostra ao longo da história humana. É necessário conhecer profundamente os contextos a que se referem, buscam que a Iniciação à Vida Cristã seja fundamentada na ação do Reino e possa favorecer o seu crescimento. Esta tarefa, de aproximação com Deus é um caminho sem volta.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

SÃO CARLOS BORROMEU: MODELO DE PASTOR NA INTERPRETAÇÃO DE UM CONCÍLIO



No início do mês de novembro, precisamente no dia 2, comemoramos a memória de um dos mais eminentes bispos do século XVI e grande propagador da reforma da Igreja Católica: São Carlos Borromeu, arcebispo de Milão e cardeal da Santa Igreja Católica.

Mas o que este homem, de uma história tão distante do nosso tempo, pode ainda hoje nos alertar sobremaneira sobre os aspectos interpretativos que forjaram o sucesso do Concílio de Trento (1545-1563)? De que modo ele pode contribuir para uma análise eclesiológica no nosso tempo, a partir de suas ideias, conceitos e atitudes na sua época? E o que isso tudo pode influenciar ainda hoje a Sagrada Tradição, que permanece como fonte interpretativa, de igual forma que a Sagrada Escritura e o Sagrado Magistério? É um pouco sobre este tema que me atrevo a escrever.

Carlos Borromeu nasceu em 2 de outubro de 1538 em Milão. Era filho do Conde Gilberto Borromeu e de Margherita de Medici, irmã do Papa Pio IV (Giovani Angelo di Medici). Portanto, Carlos era sobrinho do Papa.

O Papa Pio IV concluiu o Concílio de Trento com grandes reformas ainda no tempo de seu governo papal.  Para frear o avanço do protestantismo, concedeu a comunhão sob duas espécies para os católicos da Alemanha, Áustria e Hungria, em 1964. Mesmo que isso tenha sido proibido pelo Concílio.

Carlos, após um tempo de estudos na Universidade de Pavia para estudar direito civil e canônico. No ano de 1554 seu pai faleceu e foi então administrar os bens da família, retornando aos estudos e doutorando-se ainda no ano de 1554. Neste mesmo período, seu tio Giovanni foi sagrado papa. O então Papa Pio IV chamou seu sobrinho para Roma e em 13 de janeiro de 1560 o nomeou protonotário apostólico e em 31 de janeiro do mesmo ano o sagrou cardeal (com apenas 22 anos!), antes mesmo da ordenação presbiteral. A ele o Papa confiou o governo dos Estados Pontifícios e a supervisão dos franciscanos e carmelitas.

Carlos Borromeu transformou a igreja em Milão. Tornou-se para a Igreja, um modelo de pastor. Ele, logo após ter auxiliado o Papa e tê-lo motivado para colocar em prática todo o inspirado conteúdo do Concílio de Trento, assumiu com todo o ardor a missão de obedecer às decisões que levaram à contrarreforma, o qual respondia as necessidades da Igreja daquela época.

A partir do concílio, foi o primeiro bispo a fundar diversos seminários para a formação dos futuros padres; promoveu sínodos diocesanos; abundou os escritos catequéticos e conhecimento da doutrina católica e impulsionou a Evangelização de outras áreas da Europa. Desta maneira deu sua vida a Deus gastando-se totalmente pelo bem dos outros e da Igreja.

Os seminários que fundou, aos poucos ficavam superlotados. A disciplina, a fonte doutrinal segura e os avanços à pureza da fé católica, colocaram a vida eclesiástica nos eixos. Naquela época, a falta de identidade e a busca por outros objetivos pessoais que não a salvação, levaram os clérigos a abjurar de sua fé e viver uma vida dissoluta.

Em Milão, com a correta interpretação das determinações conciliares, o resultado de tamanho e abnegado esforço de seu bispo, fizeram com que os seminários tivessem de ser construídos e ampliados ano a ano. As reformas pretendidas por Lutero e que esmagaram a identidade católica em boa parte da Europa cristã, não foram suficientemente profundas na diocese de Milão, sob o governo do seu arcebispo e cardeal, Carlos.

Foi amigo de São Francisco de Borja, São Felipe Neri, São Pio V, São Félix de Cantalício, Santo André Avelino e muitos outros. Chegou inclusive a dar a primeira comunhão ao adolescente São Luís Gonzaga.

Combateu fortemente os abusos clericais da época, especialmente ligados às questões de apego ao dinheiro, falta de vida espiritual, falta de identidade presbiteral e baixa estrutura eclesial para a formação dos que mostravam o interesse pela vida eclesiástica.

Enfim, podemos afirmar que a interpretação que São Carlos Borromeu conseguiu implantar em sua diocese, foi suficiente, aliada à boa formação do seu clero, para fazer oposição à Reforma Protestante, mas não somente isso. Com a correta interpretação do que o concílio preconizou, com seguiu extirpar do meio do clero aqueles que se aliavam a teorias e teologias que enfraqueciam o estado clerical e a vida da Igreja. Incentivou a pastoral e a vida presbiteral como modelo de atenção aos mais pobres e aos doentes. O modo como interpretou em sua diocese o concílio trentino é modelo ainda hoje.

Em 04 de novembro de 1584 morreu em decorrência da peste que assolava Milão e que ele tanto ajudou a cuidar dos que eram abandonados na cidade com esta doença. Foi canonizado pelo Papa Paulo V em 1610. 

O Papa Bento XVI, referindo-se a ele, afirmou que “Sua figura se destaca no século XVI como modelo de pastor exemplar pela caridade, doutrina, zelo apostólico e sobretudo, pela oração. Dedicou-se por completo à Igreja ambrosiana: a visitou três vezes; convocou seis sínodos provinciais e onze diocesanos; fundou seminários para formar uma nova geração de sacerdotes; construiu hospitais e destinou as riquezas de família ao serviço dos pobres; defendeu os direitos da Igreja contra os poderosos; renovou a vida religiosa e instituiu uma nova Congregação de sacerdotes seculares, os Oblatos. (...) Seu lema consistia em uma só palavra: "Humilitas". A humildade o impulsionou, como o Senhor Jesus, a renunciar a si mesmo para fazer-se servo de todos".



O TESTEMUNHO DE VIDA PARA A CATEQUESE DO SEU REBANHO

Carlos Borromeu é o santo protetor dos catequistas e exemplo de intérprete de um concílio, modelo para a correta implantação pastoral das orientações eclesiásticas que, mesmo distantes da sede romana, eram exemplarmente vividas nos seminários e na vida cristã católica.
Vale lembrar que na época de reforma protestante, pouco a pouco já se foi alastrando a ideia de um Concílio ecumênico, e já que este parecia um meio radical para interromper, na base, os motivos de tantas críticas dos protestantes e no seio da Igreja, assim como para recompor a unidade da Igreja.

O Concílio fora convocado em Mântua, em 1537, mas, de adiamento em adiamento, acabou por começar somente em dezembro de 1545 na região de Trento. Pio IV, em janeiro de 1560, constituiu uma Comissão de reforma e inicia as providencias para a reabertura do Concílio. Carlos não está materialmente presente no Concílio, mas, com o coração, não se separa um só instante da solene assembleia. No final do Concílio, em 1564, é chamado para participar da Congregação de cardeais encarregados da interpretação dos decretos. E é aqui o ponto essencial para a interpretação e o sucesso do Concílio de Trento no meio da Igreja do séc. XVI.

No silêncio da meditação, lançou Carlos planos grandiosos para a reorganização da Igreja Católica. Estes todos se concentraram na ideia de concluir o Concílio de Trento com êxito e profundidade. De fato, era o que a Igreja mais necessitava, como base e fundamento da renovação e consolidação da vida religiosa. Por toda a parte surgiram abusos, sintomas indubitáveis de uma decadência deplorável e de uma perturbação bastante séria do regime eclesiástico. 

Podemos afirmar que Carlos foi uma força motriz no concílio e após o seu término. Pôs fim às caçadas, os banquetes, a vida luxuosa da clero. A cúria romana mudou radicalmente de aspecto: os padres circulavam vestidos de acordo com seu estado clerical e não mais com roupas de reconhecidos alfaiates italianos, que chegavam a custar centenas de moedas de ouro.  O clero então passou a manifestar exteriormente, pelas vestes, os sinais de uma renovação interior. Carlos afirmava: “Reformar-se para reformar.” Carlos quis ser o primeiro a executar as ordens da nova lei conciliar. Quanto mudou, em tão pouco tempo a vida de Carlos! Não veste mais roupas de seda, de veludo, se desfez das escuderias, carruagens. Um mês depois da chegada à Milão, como seu bispo, convocou o primeiro sínodo diocesano, cujo assunto principal era a reforma da vida clerical, de acordo com as determinações do Concílio Tridentino. 

O Concílio sofreu uma interrupção pela morte do Papa, chamado a Roma, assistiu ao tio na hora da morte (1572). No conclave que se reuniu, por ocasião da eleição do novo Papa, Carlos tomou parte. Visitou toda a sua diocese por pelo menos, três vezes. Não havia lugar, por menor que seja, que não o tivesse conhecido. No meio das fadigas da viagem (muitas vezes ele mesmo carregava a bagagem), conservava sempre o bom humor. Com os pobres, partilhava o pão dos pobres. Dias havia em que não tomava senão pão e água. Não só os católicos, mas também os próprios protestantes recebiam jubilosamente o “santo bispo”. O santo sentia-se embaraçado e magoado com tantos sinais de veneração; ele que havia escolhido para o próprio brasão o lema “Humilitas”, mas quando via que fiéis de todas as classes sociais se uniam a seu modesto séquito, recitando com ele as ladainhas e visitando as basílicas com admirável devoção, entendia que o Senhor se servia dele, que mesmo assim se julgava um servo tão indigno, para realizar coisas admiráveis. 

São Carlos está ainda convencido de que o remédio mais eficaz para a renovação da Igreja é a oração. Na cidade silenciosa, e quase totalmente paralisada pela peste, estendem-se devotas procissões penitenciais. Recita-se o rosário e o cardeal carrega uma grande cruz, caminhando de pés descalços. Carlos não fez pactos em catacumbas romanas para estar ao lado dos pobres. Ele simplesmente vivia no meio deles. Autenticamente cristão, vivia primeiro depois ensinava.

A peste ocasionou a fundação de um grande asilo para pobres. Além desta instituição, outros estabelecimentos de utilidade pública, devem a ele sua fundação. São Carlos escreveu ainda duas pastorais, uma intitulada “Reminiscências para o povo da cidade e do arcebispado de Milão, e instruções para todas as classes, para praticarem as virtudes da vida cristã”, e a outra: “Reminiscências dos dias dolorosos da peste”. 

Em outubro de 1582, Carlos dirige-se pela última vez a Roma. Gregório XIII recebeu Carlos, com as mais altas distinções. No entanto, Carlos continua com os mesmos costumes: às quatro horas da manhã encontra-se na Igreja, já em contemplação, e o povo se reúne com o santo par rezar com ele; ao meio dia espera-o o almoço, constituído de pão e água. Em compensação, os pobres, que àquela época povoavam os pátios de seu modesto aposento, recebem abundantes esmolas; à noite, após a oração propõe aos familiares algum tema de meditação para o dia seguinte. O descanso da noite não é muito longo, dorme de 3 ou 4 horas, estendido sobre uma caixa de sua capela. O restante do tempo passa em silenciosa prece, na capela da basílica. 

Carlos sente que, enfim, em sua lâmpada, sobrou pouco óleo, mas justamente por isso, intensifica a própria atividade. Em 15 de outubro ele inicia seus últimos exercícios espirituais, a partir do dia 22 têm fortes ataques de febre. Apesar do sofrimento celebra missa todos os dias. Dia 29 parte para Arona, para a inauguração do Colégio pontifício de Ascona. O cardeal dirige-se até lá numa embarcação na qual foi colocado para ele um colchão. Passa a noite rezando e falando aos barqueiros das coisas de Deus. São Carlos preside as cerimônias previstas, mas é necessário apressar sua volta a Milão. No caminho de volta, Carlos para novamente em Arona. Junto ao Colégio dos Jesuítas, por ele fundado, pouco distante de sua casa natal, celebra pela última vez. Chega a Milão a noitinha, de tanto em tanto, fecha os olhos. Não é para abandonar-se ao sono, mas somente para recolher-se mais profundamente. Carlos reabre os olhos para fixa-los na imagem do Cristo agonizante, que mandara colocar sobre um pequeno altar, aos pés do leito. Após ter recebido o viático e a unção dos enfermos, o arcebispo, sustentado por dois familiares, recolhe as últimas débeis forças para traçar com a mão um sinal de bênção sobre os presentes, e certamente, com o coração sobre todos os amados filhos.

Na noite de 3 de novembro de 1584 o cardeal Borromeo fecha os olhos à cena desta terra, para abri-los à contemplação do reino da luz. O “servo bom e fiel”, cumpria a obra que lhe havia sido confiada, pode entrar na alegria do teu Senhor.

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

MISSÃO EVANGELIZADORA EM MEIO À CULTURA URBANA


O mundo urbano é um desafio complexo e dinâmico,
que as paróquias ainda precisam conhecer melhor. 


O desafio atual da Igreja é reconhecer-se em um mundo cada vez mais urbano e multifacetado. É neste ambiente, em que o sujeito encontra-se em meio aos apelos da mídia, conjugado em sua identidade a partir de um desenraizamento cultural e em meio à uma família em constante mudança, é que o fiel busca Deus. A missão da Igreja é apresentar o Senhor Jesus Cristo, tal como a Igreja Católica sempre o apresentou, em meio às mais diferentes realidades e opiniões.

A urbanização das cidades, despreparadas para receber pessoas em tão grande número e em tão pouco tempo, tira o aconchego de uma vizinhança que se conhece. Dentro desta realidade urbana e social, familiar e comunitária, a Igreja precisa encontrar caminhos. 

O caminho da evangelização nas cidades precisa partir das pequenas comunidades eclesiais missionárias. Sem o encontro, o reunir-se, o sair e o entrar, o partir e o chegar, o abraço e o olhar, criaremos uma identidade cristã insuficiente ao homem e à mulher urbanos. É preciso formar bem (no sentido de dar forma) tanto o laicato quanto os que exercem liderança ministerial nas comunidades, para que possa contribuir substancialmente com a ação evangelizadora para serem todos, cristãos de verdade no mundo urbano.

A evangelização precisa redescobrir-se a partir da clareza da fé católica. Religião não é lugar em que cada um acha que possui uma verdade, a "sua verdade". Religião é lugar de experimentar a certeza da fé que vem de Deus. É preciso crer na fé da Igreja. 

A missa não pode tornar-se o que nunca foi: um show do padre ou da comunidade. A missa não pode ser uma "auto-celebração". Os fiéis querem ir à missa para encontrar-se com Deus na celebração da liturgia, tal como ela é preservada e celebrada pela Igreja. Não vão para encontrar-se com o seu ídolo pop. Quanto mais invencionice e teatro, menos liturgia. E quanto menos liturgia da Igreja, acontece ali a soberania do homem e não de Deus. A preocupação da Igreja é com a Palavra, os Sacramentos e a Caridade. Temos estes tesouros guardados em vasos de barro. É preciso que os fiéis conheçam a salvação em Jesus Cristo, acolham esta palavra na Igreja e se salvem. E este conhecimento parte da experiência de fé e do testemunho daqueles que a dirigem e orientam: padres, freiras, comunidades de fé, precisam ser testemunhas apaixonadas por Jesus Cristo, na Igreja que encanta e atrai, converte e ensina, cura e salva. 

No tempo atual, cheio de símbolos e imagens que comunicam, a Igreja virou as costas àquele simbólico mais compreensivelmente acolhido. O simbólico e o belo deixaram de existir em muitas comunidades, tornando-as insípidas: ambiente sagrado, cruz com Cristo e Cristo com cruz, santos, música, silêncio, local de oração e encontro pessoal e comunitário. A dessacralização é um processo construído para chocar olhos e coração: não mais se identificam quem é o padre, a freira no meio do povo. É tudo um só corpo, sem identidade nem elementos que o identifiquem em todos os lugares. Vocação é um serviço e entrega de toda a sua vida e é direito do fiel católico encontrar-se com um padre ou freira no banco, na rua, no mercado ou na praça. Falar que já fazem anos que não vai mais à missa e poder ser convidado, ali, na fila do cinema. E perceber que somos presença de Deus no mundo, mas não somos do mundo. 

A celebração da fé católica deve, portanto, promover o alegre encontro com a Palavra e a salvação em Jesus Cristo, tal como a Igreja sempre creu, sem tirar nem por. O que devemos anunciar é a fé da Igreja para o homem e a mulher urbanos. Não os conceitos que florescem neste ou naquele ambiente de forma isolada e que desnorteia a comunidade. Nem moralismos, nem água com açúcar, nem axé, nem esquisitices linguísticas que nunca fizeram parte da Igreja Católica, até o surgimento do pentecostalismo, que vem catequizando para as igrejas reformadas, deixando-os prontos. Simplesmente a fé vivida na tradição apostólica e na geração dos que buscam a Deus em meio à ausência e ao desamparo.

O mundo urbano precisa ser evangelizado e não a Igreja ser coagida pelos valores que o mundo quer lhe impor. Precisa ser evangelizado porque nunca foi plenamente. Os que foram evangelizados foram os que habitavam nos interiores, na roça, nas aldeias e pequenas cidades. Agora, o desafio de um novo tempo. O que coloca, acima de tudo, que a identidade da Igreja seja testemunhada na coerência e nos caminhos que o Senhor Jesus a quis. Considerarmos a evangelização no caminho da doutrina, da liturgia, da pastoral e da identidade católica, nos apontam paralelos de como devemos agir no ambiente urbano. Sem receitas imediatistas, mas numa realidade plenamente missionária. É com a participação de todos os batizados que renovaremos a ação da Igreja no mundo urbano. É preciso fazer o que ainda não se fez desde o Concílio Ecumênico Vaticano II, ainda não se atualizou em nossa realidade: uma autêntica renovação da eclesiologia católica, dentro daquilo que o Vaticano II preconizava, a partir da evangélica participação de todos, em ministérios  e funções distintos, em sinodalidade e missionariedade. 

É muito importante, diante destas realidades de assomam o mundo urbano, considerar que a Igreja não é nossa: é de Cristo. Ele deixou aos Apóstolos e a todos nós para que a conduzíssemos pelo Espírito Santo. Nos caminhos em que ela segue fiel, é testemunho e alegria. Por vezes sofrimento e reconciliação. Nunca medo, nem apatia diante daquilo que é contrário ao Reino de Deus. Sigamos em frente, pois a cidade é o novo ambiente que vai nos identificar no futuro enquanto cristão: fidelidade total e radical a Cristo, na fé católica. 

quarta-feira, 31 de julho de 2019

A Síndrome de Burnout no clero: saúde psíquica pressupõe qualidade de vida e espiritualidade.


Falar de saúde mental engloba, entre outras qualidades, a capacidade do sujeito de apresentar suficiente equilíbrio emocional para responder adequadamente às exigências tanto internas quanto externas a que é exposto no dia a dia. Esta habilidade de administrar a própria vida e a forma de se sentir implicado na resolução de seus problemas e na condução de sua vida, colaboram nesta direção. Mas nem sempre este caminho pode ser fácil e seguro.
Há muitos fatores de risco no mundo do trabalho que podem expor a pessoa a uma maior propensão à síndrome de Burnout. Esta síndrome, foco de estudos em vários lugares do mundo, é compreendida como um fenômeno psicossocial que resulta de uma inadequação do indivíduo no lidar com o estresse laboral. Além disso, esta síndrome pode vir acompanhada de sintomas psicossomáticos de vários níveis.
Em todas as idades vai tornando-se mais frequente, colaborando com o acesso fácil a drogas e álcool, o isolamento, a precariedade da educação, o alojamento e transporte, o desemprego, à violência, a descriminação e o racismo. Também cooperam com os sintomas, uma nutrição deficiente, a rejeição social persistente, o estresse laboral. Compreende-se aqui este estresse laboral como o acúmulo de trabalho, a inapetência do sujeito à função que lhe é pedida ou a dificuldade em realizar as tarefas laborais em ambientes ou pessoas em conflito.
O presbítero, dado a natureza de suas atividades laborais que incluem predominantemente pessoas, pode estar exposto em maior grau a este fenômeno. Dentre os critérios básicos para a saúde mental do presbítero, destaca-se uma atitude positiva em relação à sua imagem e às expectativas que lhe são impostas. A partir da tríade: conhece-te, aceita-te, supera-te, deve acompanhar uma integração da resposta emocional à autodeterminação e autotranscendência do sujeito.
Assim, ele consegue ter uma mais apurada percepção da realidade, com maior e melhor domínio e competência ambiental diante das adversidades. Entretanto, este caminho pode gerar um acúmulo de situações não resolvidas ao longo das semanas, problemas insuperáveis, e cria-se então uma incongruência entre as exigências do seu trabalho e de suas relações pessoais mal resolvidas, com as suas limitações pessoais e laborais, gerando fadiga emocional, física e mental. Esta fadiga é ponto crucial para a perda da performance no trabalho e o aumento da ansiedade e do isolamento, características da síndrome. Consequentemente, a qualidade laboral é prejudicada. Entretanto, se hoje o foco da saúde mental está ainda direcionado reativamente para a prevenção, o caminho a ser percorrido nos próximos tempos será o da promoção da saúde tanto por parte do presbítero, quanto por parte da instituição religiosa.
Alguns fatores, nesta direção, podem proteger o sujeito, como a interação social positiva e as amizades sinceras. A participação social e a tolerância também colaboram, assim como a maior integração, os bons serviços de suporte sociais a que a pessoa tem acesso, bem como o domínio de fatores ambientais, sociais e pessoais, podem garantir uma melhor qualidade de vida. A possibilidade de maior flexibilidade, adaptabilidade e autonomia, também formam um alicerce no qual o sujeito consegue construir-se, adaptar-se e, consequentemente, superar-se.
A boa autoestima, as atividades físicas regulares (entendidas aqui como a indicação de meia hora diária nos sete dias da semana), bem como a estimulação cognitiva, fazem com que o sujeito se comporte de maneira saudável diante das adversidades a que seja exposto. A clareza de expectativas diante do ministério, bem como o equilíbrio entre trabalho e lazer, incluindo férias regulares, colaboram com o autocuidado, elemento fundamental neste processo.
Por fim, é preciso entender que esta síndrome apresenta alguns sintomas físicos, que acontecem em muitas profissões que lidam com tensões, stress e conflitos com pessoas no ambiente de trabalho. E o presbítero não está alheio a estes sintomas. Buscar terapia adequada é fundamental, em qualquer tempo. O importante é não se deixar convencer que tudo pode realizar sozinho.

sábado, 27 de julho de 2019

A RESPEITO DA FAMÍLIA - O catecismo da Igreja Católica


  

  
A FAMÍLIA NO CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA
Compilado a partir do índice analítico do Catecismo,
por Pe. Sérgio Luís Pedrotti, Arquidiocese de Florianópolis.

Textos disponíveis em português, no site: vatican.va


CONSTITUIÇÃO, NATUREZA E FINS DA FAMÍLIA
2201. A comunidade conjugal assenta sobre o consentimento dos esposos. O matrimônio e a família estão ordenados para o bem dos esposos e para a procriação e educação dos filhos. O amor dos esposos e a geração dos filhos estabelecem, entre os membros duma mesma família, relações pessoais e responsabilidades primordiais.
2202. Um homem e uma mulher, unidos em matrimônio, formam com os seus filhos uma família. Esta disposição precede todo e qualquer reconhecimento por parte da autoridade pública e impõe-se a ela. Deverá ser considerada como a referência normal, em função da qual serão apreciadas as diversas formas de parentesco.
2203. Ao criar o homem e a mulher, Deus instituiu a família humana e dotou-a da sua constituição fundamental. Os seus membros são pessoas iguais em dignidade. Para o bem comum dos seus membros e da sociedade, a família implica uma diversidade de responsabilidades, de direitos de deveres.
2249. A comunidade conjugal está fundada na aliança e no consentimento dos esposos. O matrimônio e a família estão ordenados para o bem dos cônjuges e para a procriação e educação dos filhos.
2363. Pela união dos esposos realiza-se o duplo fim do matrimônio: o bem dos próprios esposos e a transmissão da vida. Não podem separar-se estes dois significados ou valores do matrimônio sem alterar a vida espiritual do casal nem comprometer os bens do matrimônio e o futuro da família.

DIREITO DE FORMAR UMA FAMÍLIA

1908. Em segundo lugar, o bem comum exige o bem-estar social e o desenvolvimento da própria sociedade. O desenvolvimento é o resumo de todos os deveres sociais. Sem dúvida, à autoridade compete arbitrar, em nome do bem comum, entre os diversos interesses particulares; mas deve tornar acessível a cada qual aquilo de que precisa para levar uma vida verdadeiramente humana: alimento, vestuário, saúde, trabalho, educação e cultura, informação conveniente, direito de constituir família[1], etc.
FAMÍLIA CRISTÃ
2204. “A família cristã constitui uma revelação e uma realização específica da comunhão eclesial; por esse motivo [...], há-de ser designada como uma igreja doméstica”.[2] Ela é uma comunidade de fé, de esperança e de caridade: reveste-se duma importância singular na Igreja, como transparece do Novo Testamento.[3]
2205. A família cristã é uma comunhão de pessoas, vestígio e imagem da comunhão do Pai e do Filho, no Espírito Santo. A sua atividade procriadora e educativa é o reflexo da obra criadora do Pai. É chamada a partilhar da oração e do sacrifício de Cristo. A oração quotidiana e a leitura da Palavra de Deus fortalecem nela a caridade. A família cristã é evangelizadora e missionária.
2206. As relações no seio da família comportam uma afinidade de sentimentos, de afetos e de interesses, que provêm sobretudo do mútuo respeito das pessoas. A família é uma comunidade privilegiada, chamada a realizar a comunhão das almas, o comum acordo dos esposos e a diligente cooperação dos pais na educação dos filhos.[4]

FAMÍLIA DE DEUS - FAMÍLIA E REINO DE DEUS
2232. São importantes, mas não absolutos, os laços familiares. Quanto mais a criança cresce para a maturidade e autonomia humanas e espirituais, tanto mais a sua vocação individual, que vem de Deus, se afirma com nitidez e força. Os pais devem respeitar este chamamento e apoiar a resposta dos filhos para o seguir. Hão de convencer-se de que a primeira vocação do cristão é seguir Jesus[5]: «Quem ama o pai ou a mãe mais do que a Mim, não é digno de Mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a Mim, não é digno de Mim» (Mt 10, 37).
FAMÍLIA NO DESIGNIO DE DEUS
2201. A comunidade conjugal assenta sobre o consentimento dos esposos. O matrimônio e a família estão ordenados para o bem dos esposos e para a procriação e educação dos filhos. O amor dos esposos e a geração dos filhos estabelecem, entre os membros duma mesma família, relações pessoais e responsabilidades primordiais.
2202. Um homem e uma mulher, unidos em matrimônio, formam com os seus filhos uma família. Esta disposição precede todo e qualquer reconhecimento por parte da autoridade pública e impõe-se a ela. Deverá ser considerada como a referência normal, em função da qual serão apreciadas as diversas formas de parentesco.
2203. Ao criar o homem e a mulher, Deus instituiu a família humana e dotou-a da sua constituição fundamental. Os seus membros são pessoas iguais em dignidade. Para o bem comum dos seus membros e da sociedade, a família implica uma diversidade de responsabilidades, de direitos de deveres.
FAMÍLIA CÉLULA ORIGINÁRIA DA VIDA SOCIAL
1882. Certas sociedades, como a família e a comunidade civil, correspondem de modo mais imediato à natureza do homem. São-lhe necessárias. Para favorecer a participação do maior número possível de pessoas na vida social, deve fomentar-se a criação de associações e instituições de livre iniciativa, “com fins económicos, culturais, sociais, desportivos, recreativos, profissionais, políticos, tanto no interior das comunidades políticas como a nível mundial”.[6] Esta ”socialização” exprime também a tendência natural que leva os seres humanos a associarem-se, com vista a atingirem objetivos que ultrapassam as capacidades individuais. Desenvolve as qualidades da pessoa, particularmente o sentido de iniciativa e de responsabilidade, e contribui para garantir os seus direitos.[7]
2207. A família é a célula originária da vida social. É ela a sociedade natural em que o homem e a mulher são chamados ao dom de si no amor e no dom da vida. A autoridade, a estabilidade e a vida de relações no seio da família constituem os fundamentos da liberdade, da segurança, da fraternidade no seio da sociedade. A família é a comunidade em que, desde a infância, se podem aprender os valores morais, começar a honrar a Deus e a fazer bom uso da liberdade. A vida da família é iniciação à vida em sociedade.
FAMÍLIA DE JESUS
533. A vida oculta de Nazaré permite a todos os homens entrar em comunhão com Jesus, pelos diversos caminhos da vida quotidiana: “Nazaré é a escola em que se começa a compreender a vida de Jesus, é a escola em que se inicia o conhecimento do Evangelho [...] Em primeiro lugar, uma lição de silêncio. Oh! se renascesse em nós o amor do silêncio, esse admirável e indispensável hábito do espírito! [...] Uma lição de vida familiar Que Nazaré nos ensine o que é a família, a sua comunhão de amor, a sua austera e simples beleza, o seu carácter sagrado e inviolável [...]. Uma lição de trabalho, Nazaré, a casa do “Filho do carpinteiro”! Aqui desejaríamos compreender e celebrar a lei, severa, mas redentora, do trabalho humano [...] Daqui, finalmente, queremos saudar os trabalhadores de todo o mundo e mostrar-lhes o seu grande modelo, o seu Irmão divino”.[8]
564. Pela sua submissão a Maria e a José, assim como pelo seu trabalho humilde em Nazaré durante longos anos, Jesus dá-nos o exemplo da santidade na vida quotidiana da família e do trabalho.
FAMÍLIA E QUARTO MANDAMENTO
2197. O quarto mandamento é o primeiro da segunda tábua, e indica a ordem da caridade. Deus quis que, depois de Si, honrássemos os nossos pais, a quem devemos a vida e que nos transmitiram o conhecimento de Deus. Temos obrigação de honrar e respeitar todos aqueles que Deus, para nosso bem, revestiu da sua autoridade.
2198. Este mandamento exprime-se sob a forma positiva de deveres a cumprir. Anuncia os mandamentos seguintes, relativos ao respeito particular pela vida, pelo matrimônio, pelos bens terrenos, pela palavra dada. E constitui um dos fundamentos da doutrina social da Igreja.
2199. O quarto mandamento dirige-se expressamente aos filhos nas suas relações com o pai e a mãe, porque esta relação é a mais universal. Mas diz respeito igualmente às relações de parentesco com os membros do grupo familiar. Exige que se preste honra, afeição e reconhecimento aos avós e antepassados. E, enfim, extensivo aos deveres dos alunos para com os professores, dos empregados para com os patrões, dos subordinados para com os chefes e dos cidadãos para com a pátria e para com quem os administra ou governa. Este mandamento implica e subentende os deveres dos pais, tutores, professores, chefes, magistrados, governantes, todos aqueles que exercem alguma autoridade sobre outrem ou sobre uma comunidade de pessoas.
2200. A observância do quarto mandamento comporta a respectiva recompensa: “Honra pai e mãe, a fim de prolongares os teus dias na terra que o Senhor teu Deus te vai dar” (Ex 20, 12)[9]. O respeito por este mandamento proporciona, com os frutos espirituais, os frutos temporais da paz e da prosperidade. Pelo contrário, a sua inobservância acarreta grandes danos às comunidades e às pessoas humanas.
FAMÍLIA, IGREJA DOMÉSTICA
1655. Cristo quis nascer e crescer no seio da Sagrada Família de José e de Maria. A Igreja outra coisa não é senão a “família de Deus”. Desde as suas origens, o núcleo aglutinante da Igreja era, muitas vezes, constituído por aqueles que, “com toda a sua casa”, se tinham tornado crentes”.[10] Quando se convertiam, desejavam que também “toda a sua casa” fosse salva.[11] Estas famílias, que passaram a ser crentes, eram pequenas ilhas de vida cristã no meio dum mundo descrente.
1656. Nos nossos dias, num mundo muitas vezes estranho e até hostil à fé, as famílias crentes são de primordial importância, como focos de fé viva e irradiante. É por isso que o II Concílio do Vaticano chama à família, segundo uma antiga expressão, “Ecclesia domestica – Igreja doméstica”.[12] É no seio da família que os pais são, “pela palavra e pelo exemplo [...], os primeiros arautos da fé para os seus filhos, ao serviço da vocação própria de cada um e muito especialmente da vocação consagrada”.[13]
1657. É aqui que se exerce, de modo privilegiado, o sacerdócio baptismal do pai de família, da mãe, dos filhos, de todos os membros da família, “na recepção dos sacramentos, na oração e ação de graças, no testemunho da santidade de vida, na abnegação e na caridade efetiva”.[14] O lar é, assim, a primeira escola de vida cristã e «uma escola de enriquecimento humano”.[15] É aqui que se aprende a tenacidade e a alegria no trabalho, o amor fraterno, o perdão generoso e sempre renovado, e, sobretudo, o culto divino, pela oração e pelo oferecimento da própria vida.
1658. Não podem esquecer-se, também, certas pessoas que estão, em virtude das condições concretas em que têm de viver, muitas vezes sem assim o terem querido, particularmente próximas do coração de Cristo, e que merecem, portanto, a estima e a solicitude atenta da Igreja, particularmente dos pastores: o grande número de pessoas celibatárias. Muitas delas ficam sem família humana, frequentemente devido a condições de pobreza. Algumas vivem a sua situação no espírito das bem-aventuranças, servindo a Deus e ao próximo de modo exemplar. Mas a todas é necessário abrir as portas dos lares, “igrejas domésticas”, e da grande família que é a Igreja. “Ninguém se sinta privado de família neste mundo: a Igreja é casa e família para todos, especialmente para quantos estão “cansados e oprimidos” (Mt 11, 28)» (185).
1666. O lar cristão é o lugar onde os filhos recebem o primeiro anúncio da fé. É por isso que a casa de família se chama, com razão, “Igreja doméstica”, comunidade de graça e de oração, escola de virtudes humanas e de caridade cristã.
2204. “A família cristã constitui uma revelação e uma realização específica da comunhão eclesial; por esse motivo [...], há-de ser designada como uma igreja doméstica”.[16] Ela é uma comunidade de fé, de esperança e de caridade: reveste-se duma importância singular na Igreja, como transparece do Novo Testamento.[17]
2205. A família cristã é uma comunhão de pessoas, vestígio e imagem da comunhão do Pai e do Filho, no Espírito Santo. A sua atividade procriadora e educativa é o reflexo da obra criadora do Pai. É chamada a partilhar da oração e do sacrifício de Cristo. A oração quotidiana e a leitura da Palavra de Deus fortalecem nela a caridade. A família cristã é evangelizadora e missionária.
2685. A família cristã é o primeiro lugar da educação para a oração. Fundada no sacramento do Matrimônio, é “a igreja doméstica” na qual os filhos de Deus aprendem a orar “em igreja” e a perseverar na oração. Particularmente para os filhos pequenos, a oração familiar quotidiana é o primeiro testemunho da memória viva da Igreja pacientemente despertada pelo Espírito Santo.

FAMÍLIA, IMAGEM DA TRINDADE 
FAMÍLIA, REFLEXO DA OBRA CRIADORA DO PAI

2205. A família cristã é uma comunhão de pessoas, vestígio e imagem da comunhão do Pai e do Filho, no Espírito Santo. A sua atividade procriadora e educativa é o reflexo da obra criadora do Pai. É chamada a partilhar da oração e do sacrifício de Cristo. A oração quotidiana e a leitura da Palavra de Deus fortalecem nela a caridade. A família cristã é evangelizadora e missionária.

IGREJA, FAMÍLIA DE DEUS, FAMÍLIA DE CRISTO

1. Deus, infinitamente perfeito e bem-aventurado em Si mesmo, num desígnio de pura bondade, criou livremente o homem para o tornar participante da sua vida bem-aventurada. Por isso, sempre e em toda a parte, Ele está próximo do homem. Chama-o e ajuda-o a procurá-Lo, a conhecê-Lo e a amá-Lo com todas as suas forças. Convoca todos os homens, dispersos pelo pecado, para a unidade da sua família que é a Igreja. Para tal, enviou o seu Filho como Redentor e Salvador na plenitude dos tempos. N'Ele e por Ele, chama os homens a tornarem-se, no Espírito Santo, seus filhos adotivos e, portanto, herdeiros da sua vida bem-aventurada.
759. «O eterno Pai, que pelo libérrimo e insondável desígnio da sua sabedoria e bondade, criou o universo, decidiu elevar os homens participação da vida divina», para a qual a todos convida em seu Filho: «E, aos que creem em Cristo, decidiu convocá-los na santa Igreja». Esta «família de Deus» constituiu-se e realizou-se gradualmente ao longo das etapas da história humana, segundo as disposições do Pai: de facto, a Igreja «prefigurada já desde o princípio do mundo e admiravelmente preparada na história do povo de Israel e na antiga Aliança, foi constituída no fim dos tempos, e manifestada pela efusão do Espírito Santo, e será gloriosamente consumada no fim dos séculos”.[18]
764. «Este Reino manifesta-se aos homens na palavra, nas obras e na presença de Cristo”[19], Acolher a palavra de Jesus é «acolher o próprio Reino”.[20] O germe e começo do Reino é o «pequeno rebanho» (Lc 12, 32) daqueles que Jesus veio congregar ao seu redor e dos quais Ele próprio é o Pastor.[21] Eles constituem a verdadeira família de Jesus.[22] Aqueles que assim juntou em redor de si, ensinou uma nova «maneira de agir», mas também uma oração própria.[23]
959. Na única família de Deus. «Todos os que somos filhos de Deus e formamos em Cristo uma família, ao comunicarmos uns com os outros na caridade mútua e no comum louvor da Santíssima Trindade, correspondemos à íntima vocação da Igreja”.[24]
1655. Cristo quis nascer e crescer no seio da Sagrada Família de José e de Maria. A Igreja outra coisa não é senão a «família de Deus». Desde as suas origens, o núcleo aglutinante da Igreja era, muitas vezes, constituído por aqueles que, «com toda a sua casa», se tinham tornado crentes”.[25] Quando se convertiam, desejavam que também «toda a sua casa» fosse salva.[26] Estas famílias, que passaram a ser crentes, eram pequenas ilhas de vida cristã no meio dum mundo descrente.
2233. Tornar-se discípulo de Jesus é aceitar o convite para pertencer à família de Deus, para viver em conformidade com a sua maneira de viver: “Todo aquele que fizer a vontade do meu Pai que está nos céus, é que é meu irmão e minha irmã e minha mãe” (Mt 12, 50). Os pais devem acolher e respeitar, com alegria e ação de graças, o chamamento que o Senhor fizer a um dos seus filhos, para O seguir na virgindade pelo Reino, na vida consagrada ou no ministério sacerdotal.

SACERDÓCIO BATISMAL

1657. É aqui que se exerce, de modo privilegiado, o sacerdócio batismal do pai de família, da mãe, dos filhos, de todos os membros da família, “na recepção dos sacramentos, na oração e ação de graças, no testemunho da santidade de vida, na abnegação e na caridade efetiva”.[27] O lar é, assim, a primeira escola de vida cristã e “uma escola de enriquecimento humano”.[28] É aqui que se aprende a tenacidade e a alegria no trabalho, o amor fraterno, o perdão generoso e sempre renovado, e, sobretudo, o culto divino, pela oração e pelo oferecimento da própria vida.

PREPARAÇÃO PARA FORMAR UMA FAMÍLIA

1632. Cristo é a fonte desta graça. ”Assim como outrora Deus veio ao encontro do seu povo com unia aliança de amor e fidelidade, assim agora o Salvador dos homens e Esposo da Igreja vem ao encontro dos esposos cristãos com o sacramento do Matrimônio”.[29] Fica com eles, dá-lhes a coragem de O seguirem tomando sobre si a sua cruz, de se levantarem depois das quedas, de se perdoarem mutuamente, de levarem o fardo um do outro[30], de serem “submissos um ao outro no temor de Cristo” (Ef 5, 21) e de se amarem com um amor sobrenatural, delicado e fecundo. Nas alegrias do seu amor e da sua vida familiar, Ele dá-lhes, já neste mundo, um antegosto do festim das núpcias do Cordeiro: “Onde irei buscar forças para descrever, de modo satisfatório, a felicidade do Matrimônio que a Igreja une, que a oblação eucarística confirma e a bênção sela? Os anjos proclamam-no, o Pai celeste ratifica-o [...] Que jugo o de dois cristãos, unidos por uma só esperança, um único desejo, uma única disciplina, um mesmo serviço! Ambos filhos do mesmo Pai, servos do mesmo Senhor; nada os separa, nem no espírito nem na carne; pelo contrário, eles são verdadeiramente dois numa só carne. Ora, onde a carne á só uma, também um só é o espírito”.[31]

ORDENAÇÃO DA FAMÍLIA PARA A FECUNDIDADE

1652. ”Pela sua própria natureza, a instituição matrimonial e o amor conjugal estão ordenados à procriação e à educação dos filhos, que constituem o ponto alto da sua missão e a sua coroa”. “Os filhos são, sem dúvida, o mais excelente dom do Matrimônio e contribuem muitíssimo para o bem dos próprios pais. O mesmo Deus que disse: “não é bom que o homem esteja só” (Gn 2, 18) e que “desde o princípio fez o homem varão e mulher” (Mt 19, 4), querendo comunicar-lhe uma participação especial na sua obra criadora, abençoou o homem e a mulher dizendo: “Sede fecundos e multiplicai-vos” (Gn 1, 28). Por isso, o culto autêntico do amor conjugal e toda a vida familiar que dele nasce, sem pôr de lado os outros fins do Matrimônio, tendem a que os esposos, com fortaleza de ânimo, estejam dispostos a colaborar com o amor do Criador e do Salvador, que, por meio deles, aumenta continuamente e enriquece a sua família”.[32]

1653. A fecundidade do amor conjugal estende-se aos frutos da vida moral, espiritual e sobrenatural que os pais transmitem aos filhos pela educação. Os pais são os principais e primeiros educadores dos seus filhos.[33] Neste sentido, a missão fundamental do Matrimônio e da família é estar ao serviço da vida.[34]

1654. Os esposos a quem Deus não concedeu a graça de ter filhos podem, no entanto, ter uma vida conjugal cheia de sentido, humana e cristãmente falando. O seu Matrimônio irradiar uma fecundidade de caridade, de acolhimento e de sacrifício.
FAMÍLIA, COMUNIDADE ATIVA
2206. As relações no seio da família comportam uma afinidade de sentimentos, de afetos e de interesses, que provêm sobretudo do mútuo respeito das pessoas. A família é uma comunidade privilegiada, chamada a realizar a comunhão das almas, o comum acordo dos esposos e a diligente cooperação dos pais na educação dos filhos.[35] 
DEVERES DOS PAIS

2221. A fecundidade do amor conjugal não se reduz apenas à procriação dos filhos. Deve também estender-se à sua educação moral e à sua formação espiritual. O «papel dos pais na educação é de tal importância que é impossível substituí-los»[36]. O direito e o dever da educação são primordiais e inalienáveis para os país.[37]
2222. Os pais devem olhar para os seus filhos como filhos de Deus e respeitá-los como pessoas humanas. Educarão os seus filhos no cumprimento da lei de Deus, na medida em que eles próprios se mostrarem obedientes à vontade do Pai dos céus.
2223. Os pais são os primeiros responsáveis pela educação dos filhos. Testemunham esta responsabilidade, primeiro pela criação dum lar onde são regra a ternura, o perdão, o respeito, a fidelidade e o serviço desinteressado. O lar é um lugar apropriado para a educação das virtudes, a qual requer a aprendizagem da abnegação, de sãos critérios, do autodomínio, condições da verdadeira liberdade. Os pais ensinarão os filhos a subordinar «as dimensões físicas e instintivas às dimensões interiores e espirituais»[38]. Os pais têm a grave responsabilidade de dar bons exemplos aos filhos. Sabendo reconhecer diante deles os próprios defeitos, serão mais capazes de os guiar e corrigir: “Aquele que ama o seu filho, castiga-o com frequência [...]. Aquele que dá ensinamentos ao seu filho será louvado» (Sir 30, 1-2). «E vós, pais, não irriteis os vossos filhos: pelo contrário, educai-os com disciplina e advertências inspiradas pelo Senhor” (Ef 6, 4).
2224. O lar constitui o âmbito natural para a iniciação da pessoa humana na solidariedade e nas responsabilidades comunitárias. Os pais devem ensinar os filhos a acautelar-se dos perigos e degradações que ameaçam as sociedades humanas.
2225. Pela graça do sacramento do matrimônio, os pais receberam a responsabilidade e o privilégio de evangelizar os filhos. Desde tenra idade devem iniciá-los nos mistérios da fé, de que são os «primeiros arautos».[39] Hão de associá-los, desde a sua primeira infância, à vida da Igreja. A maneira como se vive em família pode alimentar as disposições afetivas, que durante toda a vida permanecem como autêntico preâmbulo e esteio duma fé viva.
2226. A educação da fé por parte dos pais deve começar desde a mais tenra infância. Faz-se já quando os membros da família se ajudam mutuamente a crescer na fé pelo testemunho duma vida cristã, de acordo com o Evangelho. A catequese familiar precede, acompanha e enriquece as outras formas de ensinamento da fé. Os pais têm a missão de ensinar os filhos a rezar e a descobrir a sua vocação de filhos de Deus.[40] A paróquia é a comunidade eucarística e o coração da vida litúrgica das famílias cristãs: é o lugar privilegiado da catequese dos filhos e dos pais.

EDUCAÇÃO DA PRÓPRIA FAMÍLIA

1914. A participação realiza-se, primeiro, ao encarregar-se alguém dos setores de que assume a responsabilidade pessoal: pelo cuidado que põe na educação da família, pela consciência com que realiza o seu trabalho, o homem participa no bem dos outros e da sociedade.[41]
EDUCAÇÃO E RESPEITO DOS FILHOS
2221. A fecundidade do amor conjugal não se reduz apenas à procriação dos filhos. Deve também estender-se à sua educação moral e à sua formação espiritual. O «papel dos pais na educação é de tal importância que é impossível substituí-los»[42]. O direito e o dever da educação são primordiais e inalienáveis para os país.[43]
2222. Os pais devem olhar para os seus filhos como filhos de Deus e respeitá-los como pessoas humanas. Educarão os seus filhos no cumprimento da lei de Deus, na medida em que eles próprios se mostrarem obedientes à vontade do Pai dos céus.
2223. Os pais são os primeiros responsáveis pela educação dos filhos. Testemunham esta responsabilidade, primeiro pela criação dum lar onde são regra a ternura, o perdão, o respeito, a fidelidade e o serviço desinteressado. O lar é um lugar apropriado para a educação das virtudes, a qual requer a aprendizagem da abnegação, de sãos critérios, do autodomínio, condições da verdadeira liberdade. Os pais ensinarão os filhos a subordinar «as dimensões físicas e instintivas às dimensões interiores e espirituais»[44]. Os pais têm a grave responsabilidade de dar bons exemplos aos filhos. Sabendo reconhecer diante deles os próprios defeitos, serão mais capazes de os guiar e corrigir: “Aquele que ama o seu filho, castiga-o com frequência [...]. Aquele que dá ensinamentos ao seu filho será louvado” (Sir 30, 1-2). “E vós, pais, não irriteis os vossos filhos: pelo contrário, educai-os com disciplina e advertências inspiradas pelo Senhor” (Ef 6, 4).
2224. O lar constitui o âmbito natural para a iniciação da pessoa humana na solidariedade e nas responsabilidades comunitárias. Os pais devem ensinar os filhos a acautelar-se dos perigos e degradações que ameaçam as sociedades humanas.
2228. Durante a infância, o respeito e o carinho dos pais traduzem-se, primeiro, no cuidado e na atenção que consagram à educação dos filhos, para prover as suas necessidades, físicas e espirituais. A medida que vão crescendo, o mesmo respeito e dedicação levam os pais a educar os filhos no sentido dum uso correto da sua razão e da sua liberdade.

DIREITOS DOS PAIS

2229. Como primeiros responsáveis pela educação dos seus filhos, os pais têm o direito de escolher para eles uma escola que corresponda às suas próprias convicções. É um direito fundamental. Tanto quanto possível, os pais têm o dever de escolher as escolas que melhor os apoiem na sua tarefa de educadores cristãos.[45] Os poderes públicos têm o dever de garantir este direito dos pais e de assegurar as condições reais do seu exercício.
2230. Ao tornarem-se adultos, os filhos têm o dever e o direito de escolher a sua profissão e o seu estado de vida. Devem assumir as novas responsabilidades numa relação de confiança com os seus pais, a quem pedirão e de quem de boa vontade receberão opiniões e conselhos. Os pais terão o cuidado de não constranger os filhos, nem na escolha duma profissão, nem na escolha do cônjuge. Mas este dever de discrição não os proíbe, muito pelo contrário, de os ajudar com opiniões ponderadas, sobretudo quando tiverem em vista a fundação dum novo lar.
FAMÍLIAS NUMEROSAS, SINAL DA BÊNÇÃO DIVINA
2373. A Sagrada Escritura e a prática tradicional da Igreja veem nas famílias numerosas um sinal da bênção divina e da generosidade dos pais.[46]
EVANGELIZAÇÃO DOS FILHOS
2225. Pela graça do sacramento do matrimônio, os pais receberam a responsabilidade e o privilégio de evangelizar os filhos. Desde tenra idade devem iniciá-los nos mistérios da fé, de que são os «primeiros arautos».[47] Hão de associá-los, desde a sua primeira infância, à vida da Igreja. A maneira como se vive em família pode alimentar as disposições afetivas, que durante toda a vida permanecem como autêntico preâmbulo e esteio duma fé viva.
2226. A educação da fé por parte dos pais deve começar desde a mais tenra infância. Faz-se já quando os membros da família se ajudam mutuamente a crescer na fé pelo testemunho duma vida cristã, de acordo com o Evangelho. A catequese familiar precede, acompanha e enriquece as outras formas de ensinamento da fé. Os pais têm a missão de ensinar os filhos a rezar e a descobrir a sua vocação de filhos de Deus.[48] A paróquia é a comunidade eucarística e o coração da vida litúrgica das famílias cristãs: é o lugar privilegiado da catequese dos filhos e dos pais.

RESPEITO À VOCAÇÃO DOS FILHOS

2232. São importantes, mas não absolutos, os laços familiares. Quanto mais a criança cresce para a maturidade e autonomia humanas e espirituais, tanto mais a sua vocação individual, que vem de Deus, se afirma com nitidez e força. Os pais devem respeitar este chamamento e apoiar a resposta dos filhos para o seguir. Hão de convencer-se de que a primeira vocação do cristão é seguir Jesus[49]: «Quem ama o pai ou a mãe mais do que a Mim, não é digno de Mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a Mim, não é digno de Mim» (Mt 10, 37).
2233. Tornar-se discípulo de Jesus é aceitar o convite para pertencer à família de Deus, para viver em conformidade com a sua maneira de viver: “Todo aquele que fizer a vontade do meu Pai que está nos céus, é que é meu irmão e minha irmã e minha mãe” (Mt 12, 50). Os pais devem acolher e respeitar, com alegria e ação de graças, o chamamento que o Senhor fizer a um dos seus filhos, para O seguir na virgindade pelo Reino, na vida consagrada ou no ministério sacerdotal.

DEVERES DOS FILHOS
RESPEITO DOS FILHOS PARA COM OS PAIS

2214. A paternidade divina é a fonte da paternidade humana[50]; nela se fundamenta a honra devida aos pais. O respeito dos filhos, menores ou adultos, pelo seu pai e pela sua mãe[51] nutre-se do afeto natural nascido dos laços que os unem. Exige-o o preceito divino[52].
2215. O respeito pelos pais (piedade filial) é feito de reconhecimento àqueles que, pelo dom da vida, pelo seu amor e seu trabalho, puseram os filhos no mundo e lhes permitiram crescer em estatura, sabedoria e graça. “Honra o teu pai de todo o teu coração e não esqueças as dores da tua mãe. Lembra-te de que foram eles que te geraram. Como lhes retribuirás o que por ti  fizeram? “ (Sir 7, 27-28).
2216. O respeito filial revela-se na docilidade e na obediência autênticas. “Observa, meu filho, as ordens do teu pai, e não desprezes os ensinamentos da tua mãe [...]. Servir-te-ão de guia no caminho, velarão por ti quando dormires, e falarão contigo ao despertares” (Pr 6, 20.22). «O filho sábio é fruto da correção paterna, mas o insolente não aceita a repreensão» (Pr 13, 1).
2117. Enquanto viver na casa dos pais, o filho deve obedecer a tudo o que eles lhe mandarem para seu bem ou o da família. «Filhos, obedecei em tudo aos vossos pais, porque isto agrada ao Senhor» (Cl 3, 20).[53] Os filhos devem também obedecer às prescrições razoáveis dos seus educadores e de todos aqueles a quem os pais os confiaram. Mas se o filho se persuadir, em consciência, de que é moralmente mau obedecer a determinada ordem, não o faça. Com o crescimento, os filhos continuarão a respeitar os pais. Adivinharão os seus desejos, pedirão de boa vontade os seus conselhos e aceitarão as suas admoestações justificadas. A obediência aos pais cessa com a emancipação: mas não o respeito que sempre lhes é devido. É que este tens a sua raiz no temor de Deus, que é um dos dons do Espírito Santo.
2218. O quarto mandamento lembra aos filhos adultos as suas responsabilidades para com os pais. Tanto quanto lhes for possível, devem prestar-lhes ajuda material e moral, nos anos da velhice e no tempo da doença, da solidão ou do desânimo. Jesus lembra este dever de gratidão.[54]
«Deus quis honrar o pai pelos filhos e cuidadosamente firmou sobre eles a autoridade da mãe. O que honra o pai alcança o perdão dos seus pecados e quem honra a mãe é semelhante àquele que acumula tesouros. Quem honra o pai encontrará alegria nos seus filhos e será ouvido no dia da sua oração. Quem honra o pai gozará de longa vida e quem lhe obedece consolará a sua mãe» (Sir 3, 2-6). «Filho, ampara o teu pai na velhice, não o desgostes durante a sua vida. Mesmo se ele vier a perder a razão, sê indulgente, não o desprezes, tu que estás na plenitude das tuas forças [...]. É como um blasfemador o que desampara o seu pai e é amaldiçoado por Deus aquele que irrita a sua mãe» (Sir 3, 12-16).
2219. O respeito filial favorece a harmonia de toda a vida familiar; engloba também as relações entre irmãos e irmãs. O respeito pelos pais impregna todo o ambiente familiar. «A coroa dos anciãos são os filhos dos seus filhos» (Pr 17, 6). «Suportai-vos uns aos outros na caridade, com toda a humildade, mansidão e paciência» (Ef 4, 2).
2220. Os cristãos, têm o dever de ser especialmente gratos àqueles de quem receberam o dom da fé, a graça do Batismo e a vida na Igreja. Pode tratar-se dos pais, de outros membros da família, dos avós, dos pastores, dos catequistas, dos professores ou amigos. «Conservo a lembrança da tua fé tão sincera, que foi primeiro a da tua avó Lóide e da tua mãe Eunice, e que, estou certo, habita também em ti» (2 Tm 1, 5).
DEVERES DA FAMÍLIA PARA COM OS JOVENS E VELHOS
2208. A família deve viver de modo que os seus membros aprendam a preocupar-se e a encarregar-se dos jovens e dos velhos, das pessoas doentes ou incapacitadas e dos pobres. São muitas as famílias que, em certos momentos, se não encontram em condições de prestar esta ajuda. Recai então sobre outras pessoas, outras famílias e, subsidiariamente, sobre a sociedade, o dever de prover a estas necessidades: «A religião pura e sem mancha, aos olhos de Deus nosso Pai, consiste em visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e conservar-se limpo do contágio do mundo».[55]

OFENSAS À FAMÍLIA

2390. Há união livre quando homem e mulher recusam dar forma jurídica e pública a uma ligação que implica intimidade sexual. A expressão é falaciosa: que pode significar uma união em que as pessoas não se comprometem uma para com a outra, testemunhando assim uma falta de confiança na outra, em si mesmas, ou no futuro? A expressão tenta camuflar situações diferentes: concubinato, recusado matrimônio como tal, incapacidade de se ligar por compromissos a longo prazo (142). Todas estas situações ofendem a dignidade do matrimônio; destroem a própria ideia de família; enfraquecem o sentido da fidelidade. São contrárias à lei moral: o ato sexual deve ter lugar exclusivamente no matrimônio; fora dele constitui sempre um pecado grave e exclui da comunhão sacramental.
PERIGOS QUE AMEAÇAM A FAMÍLIA
2436. É injusto não pagar aos organismos de segurança social as quotas estabelecidas pelas autoridades legítimas. O desemprego devido à falta de trabalho é, quase sempre, para quem dele é vítima, um atentado à sua dignidade e uma ameaça ao equilíbrio da vida. Para além do prejuízo pessoalmente sofrido, derivam dele numerosos riscos para a respectiva família.[56]
PESSOAS SEM FAMÍLIA
1658. Não podem esquecer-se, também, certas pessoas que estão, em virtude das condições concretas em que têm de viver, muitas vezes sem assim o terem querido, particularmente próximas do coração de Cristo, e que merecem, portanto, a estima e a solicitude atenta da Igreja, particularmente dos pastores: o grande número de pessoas celibatárias. Muitas delas ficam sem família humana, frequentemente devido a condições de pobreza. Algumas vivem a sua situação no espírito das bem-aventuranças, servindo a Deus e ao próximo de modo exemplar. Mas a todas é necessário abrir as portas dos lares, «igrejas domésticas», e da grande família que é a Igreja. «Ninguém se sinta privado de família neste mundo: a Igreja é casa e família para todos, especialmente para quantos estão “cansados e oprimidos” (Mt 11, 28)”[57].

DEFESA SOCIAL DA FAMÍLIA

2209. A família deve ser ajudada e defendida por medidas sociais apropriadas. Nos casos em que as famílias não estiverem em condições de cumprir as suas funções, os outros corpos sociais têm o dever de as ajudar e de amparar a instituição familiar. Mas, segundo o princípio da subsidiariedade, as comunidades mais vastas abster-se-ão de lhe usurpar as suas prerrogativas ou de se imiscuir na sua vida.
2210. A importância da família na vida e no bem-estar da sociedade[58] implica uma responsabilidade particular desta no apoio e fortalecimento do matrimônio e da família. A autoridade civil deve considerar como seu grave dever «reconhecer e proteger a verdadeira natureza do matrimônio e da família, defender a moralidade pública e favorecer a prosperidade doméstica»[59].
2211. A comunidade política tem o dever de honrar a família, de a assistir e de nomeadamente lhe garantir:
– a liberdade de fundar um lar, ter filhos e educá-Los de acordo com as suas próprias convicções morais e religiosas;
–  a proteção da estabilidade do vínculo conjugal e da instituição familiar;
–  a liberdade de professar a sua fé, de a transmitir, de educar nela os seus filhos, com os meios e as instituições necessárias;
–  o direito à propriedade privada, a liberdade de iniciativa, de obter um trabalho, uma habitação e o direito de emigrar;
–  consoante as instituições dos países, o direito aos cuidados médicos e à assistência aos idosos, bem como ao abono de família;
–  a proteção da segurança e da salubridade, sobretudo no que respeita a perigos como a droga, a pornografia, o alcoolismo. etc.;
–  a liberdade de formar associações com outras famílias e de ter assim representação junto das autoridades civis[60].



ATENÇÃO À PRÓPRIA FAMÍLIA NO DOMINGO

2186. Os cristãos que dispõem de tempos livres lembrem-se dos seus irmãos que têm as mesmas necessidades e os mesmos direitos, e não podem descansar por motivos de pobreza e de miséria. O domingo é tradicionalmente consagrado, pela piedade cristã, às boas obras e aos serviços humildes dos doentes, enfermos e pessoas de idade. Os cristãos também santificarão o domingo prestando à sua família e vizinhos tempo e cuidados difíceis de prestar nos outros dias da semana. O domingo é um tempo de reflexão, de silêncio, de cultura e de meditação, que favorecem o crescimento da vida interior e cristã.

ORAÇÃO EM FAMÍLIA

2183. ”Se for impossível a participação na celebração eucarística por falta de ministro sagrado ou por outra causa grave, recomenda-se muito que os fiéis tomem parte na liturgia da Palavra, se a houver na igreja paroquial ou noutro lugar sagrado, celebrada segundo as prescrições do bispo diocesano, ou consagrem um tempo conveniente à oração pessoal ou em família ou em grupos de famílias, conforme a oportunidade”.[61]
2685. A família cristã é o primeiro lugar da educação para a oração. Fundada no sacramento do Matrimônio, é “a igreja doméstica” na qual os filhos de Deus aprendem a orar “em igreja” e a perseverar na oração. Particularmente para os filhos pequenos, a oração familiar quotidiana é o primeiro testemunho da memória viva da Igreja pacientemente despertada pelo Espírito Santo.
2691. A igreja, casa de Deus, é o lugar próprio da oração litúrgica para a comunidade paroquial. É também o lugar privilegiado para a adoração da presença real de Cristo no Santíssimo Sacramento. A escolha dum lugar favorável não é indiferente para a verdade da oração:
– para a oração pessoal, pode servir um “recanto de oração”, com a Sagrada Escritura e ícones (imagens) para aí se estar “no segredo” diante do Pai.[62] Numa família cristã, este gênero de pequeno oratório favorece a oração em comum;
– nas regiões onde existem mosteiros, tais comunidades estão vocacionadas para favorecer a participação dos fiéis na Liturgia das Horas e permitir a solidão necessária para uma oração pessoal mais intensa[63];
– as peregrinações evocam a nossa marcha na terra para o céu. São tradicionalmente tempos fortes duma oração renovada. Os santuários são, para os peregrinos à procura das suas fontes vivas, lugares excepcionais para viver “em Igreja” as formas da oração cristã.

2834. ”Ora e trabalha”.[64] “Orai como se tudo dependesse de Deus, e trabalhai como se tudo dependesse de vós”.[65] Tendo nós feito o nosso trabalho, o alimento continua a ser uma dádiva do nosso Pai; é bom pedir-Lhe dando-Lhe graças por ele. Tal o sentido da bênção da mesa numa família cristã.




[1] Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et Spes, 26: AAS 58 (1966) 1046.
[2] João Paulo II. Ex. ap. Familiaris consortio, 21: AAS 74 (1982) 105; cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 16.
[3] Cf. Ef 5, 21-6, 4; Cl 3, 18-21; 1 Pe 3, 1-7.
[4] Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 52: AAS 58 (1966) 1073.
[5] Cf. Mt 16, 23.
[6] João XXIII, Enc. Mater et magistra, 60: AAS 53 (1961) 416.
[7] Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 24: AAS 58 (1966) 1045-1046; João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 16: AAS 83 (1991) 813.
[8] Paulo VI, Alocução na igreja da Anunciação à bem-aventurada Virgem Maria em Nazaré, 5 de Janeiro de 1964: AAS 56 (1964) 167-168 [Festa da Sagrada Família, 2ª  Leitura do Ofício de Leitura: Liturgia das Horas, v. 1 (Gráfica de Coimbra 1983) p. 381-382].
[9]  Cf. Dt 5, 16.
[10] Cf At 18, 8.
[11] Cf. At 16, 31; 11, 14.
[12]  II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 16; cf. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 21: AAS 74 (1982) 105.
[13] II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 16.
[14]  II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,10: AAS 57 (1965) 15.
[15] II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 52: AAS 58 (1966) 1073.
[16] João Paulo II. Ex. ap. Familiaris consortio, 21: AAS 74 (1982) 105; cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 16.
[17] Cf. Ef 5, 21-6, 4; Cl 3, 18-21; 1 Pe 3, 1-7.
[18] II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 2: AAS 57 (1965) 5-6.
[19] II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 5: AAS 57 (1965) 7.
[20] II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 5: AAS 57 (1965) 7.
[21] Cf. Mt 10, 16; 26, 31; Jo 10, 1-21.
[22] Cf. Mt 12, 49.
[23] Cf. Mt 5-6.
[24] II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 51: AAS 57 (1965) 58.
[25] Cf At 18, 8.
[26] Cf. At 16, 31; 11, 14.
[27] II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,10: AAS 57 (1965) 15.
[28] II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 52: AAS 58 (1966) 1073.
[29] II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 48: AAS 58 (1966) 1068.
[30] Cf. Gl 6, 2.
[31] Tertuliano, Ad Uxorem 2, 8. 6-7: CCL 1, 393 (PL 1, 1415-1416): cf. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 13: AAS 74 (1982) 94.
[32] II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 50: AAS 58 (1966) 1070-1071.
[33] II Concílio do Vaticano, Decl. Gravissimum educationis, 3: AAS 58 (1966) 731.
[34] Cf. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 28: AAS 74(1982) 114.
[35] Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 52: AAS 58 (1966) 1073.
[36] II Concílio do Vaticano, Decl. Gravissimum educationis, 3: AAS 58 (1966) 731.
[37] Cf. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 36: AAS 74 (1982) 126.
[38] João Paulo II. Enc. Centesimus Annus, 36: AAS 83 (1991) 838.
[39] II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 16: cf. CIC can. 1136.
[40] Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 16.
[41] Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 31: AAS 83 (1991) 847.
[42] II Concílio do Vaticano, Decl. Gravissimum educationis, 3: AAS 58 (1966) 731.
[43] Cf. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 36: AAS 74 (1982) 126.
[44] João Paulo II. Enc. Centesimus Annus, 36: AAS 83 (1991) 838.
[45] Cf. II Concílio do Vaticano, Decl. Gravissimum educationis, 6: AAS 58 (1966) 733.
[46] Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 50: AAS 58 (1966) 1071.
[47] II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 16: cf. CIC can. 1136.
[48] Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 16.
[49] Cf. Mt 16, 23.
[50] Cf. Ef 3, 15.
[51] Cf. Pr 1, 8; Tb 4, 3-4.
[52] Cf. Ex 20, 12.
[53] Cf. Ef  6, 1.
[54] Cf. Mc 7, 10-12.
[55] Tg 1, 27.
[56] Cf. João Paulo II, Enc. Laborem Exercens, 18: AAS 73 (1981) 622-625.
[57] João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 85: AAS 74 (1982) 187.
[58] Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 47: AAS 58 (1966) 1067.
[59] Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et Spes, 52: AAS 58 (1966) 1073.
[60] Cf. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris Consortio, 46: AAS 74 (1982) 137-138.
[61] CIC can. 1248, § 2.
[62] Cf. Mt 6, 6.
[63] Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Perfectae caritatis, 7: AAS 58 (1966) 705.
[64] Da tradição beneditina. Cf. São Bento, Regra 20;48: CSEL 75, 75-76.114-119 (PL 66, 479-480.703-704).
[65] Dito atribuído a Santo Inácio de Loyola; cf. Petrus de Ribadeneyra, Tractatus de modo gubernandi sancti Ignatii, c. 6, 14: MHSI 85, 631.