sexta-feira, 8 de novembro de 2019

SÃO CARLOS BORROMEU: MODELO DE PASTOR NA INTERPRETAÇÃO DE UM CONCÍLIO



No início do mês de novembro, precisamente no dia 2, comemoramos a memória de um dos mais eminentes bispos do século XVI e grande propagador da reforma da Igreja Católica: São Carlos Borromeu, arcebispo de Milão e cardeal da Santa Igreja Católica.

Mas o que este homem, de uma história tão distante do nosso tempo, pode ainda hoje nos alertar sobremaneira sobre os aspectos interpretativos que forjaram o sucesso do Concílio de Trento (1545-1563)? De que modo ele pode contribuir para uma análise eclesiológica no nosso tempo, a partir de suas ideias, conceitos e atitudes na sua época? E o que isso tudo pode influenciar ainda hoje a Sagrada Tradição, que permanece como fonte interpretativa, de igual forma que a Sagrada Escritura e o Sagrado Magistério? É um pouco sobre este tema que me atrevo a escrever.

Carlos Borromeu nasceu em 2 de outubro de 1538 em Milão. Era filho do Conde Gilberto Borromeu e de Margherita de Medici, irmã do Papa Pio IV (Giovani Angelo di Medici). Portanto, Carlos era sobrinho do Papa.

O Papa Pio IV concluiu o Concílio de Trento com grandes reformas ainda no tempo de seu governo papal.  Para frear o avanço do protestantismo, concedeu a comunhão sob duas espécies para os católicos da Alemanha, Áustria e Hungria, em 1964. Mesmo que isso tenha sido proibido pelo Concílio.

Carlos, após um tempo de estudos na Universidade de Pavia para estudar direito civil e canônico. No ano de 1554 seu pai faleceu e foi então administrar os bens da família, retornando aos estudos e doutorando-se ainda no ano de 1554. Neste mesmo período, seu tio Giovanni foi sagrado papa. O então Papa Pio IV chamou seu sobrinho para Roma e em 13 de janeiro de 1560 o nomeou protonotário apostólico e em 31 de janeiro do mesmo ano o sagrou cardeal (com apenas 22 anos!), antes mesmo da ordenação presbiteral. A ele o Papa confiou o governo dos Estados Pontifícios e a supervisão dos franciscanos e carmelitas.

Carlos Borromeu transformou a igreja em Milão. Tornou-se para a Igreja, um modelo de pastor. Ele, logo após ter auxiliado o Papa e tê-lo motivado para colocar em prática todo o inspirado conteúdo do Concílio de Trento, assumiu com todo o ardor a missão de obedecer às decisões que levaram à contrarreforma, o qual respondia as necessidades da Igreja daquela época.

A partir do concílio, foi o primeiro bispo a fundar diversos seminários para a formação dos futuros padres; promoveu sínodos diocesanos; abundou os escritos catequéticos e conhecimento da doutrina católica e impulsionou a Evangelização de outras áreas da Europa. Desta maneira deu sua vida a Deus gastando-se totalmente pelo bem dos outros e da Igreja.

Os seminários que fundou, aos poucos ficavam superlotados. A disciplina, a fonte doutrinal segura e os avanços à pureza da fé católica, colocaram a vida eclesiástica nos eixos. Naquela época, a falta de identidade e a busca por outros objetivos pessoais que não a salvação, levaram os clérigos a abjurar de sua fé e viver uma vida dissoluta.

Em Milão, com a correta interpretação das determinações conciliares, o resultado de tamanho e abnegado esforço de seu bispo, fizeram com que os seminários tivessem de ser construídos e ampliados ano a ano. As reformas pretendidas por Lutero e que esmagaram a identidade católica em boa parte da Europa cristã, não foram suficientemente profundas na diocese de Milão, sob o governo do seu arcebispo e cardeal, Carlos.

Foi amigo de São Francisco de Borja, São Felipe Neri, São Pio V, São Félix de Cantalício, Santo André Avelino e muitos outros. Chegou inclusive a dar a primeira comunhão ao adolescente São Luís Gonzaga.

Combateu fortemente os abusos clericais da época, especialmente ligados às questões de apego ao dinheiro, falta de vida espiritual, falta de identidade presbiteral e baixa estrutura eclesial para a formação dos que mostravam o interesse pela vida eclesiástica.

Enfim, podemos afirmar que a interpretação que São Carlos Borromeu conseguiu implantar em sua diocese, foi suficiente, aliada à boa formação do seu clero, para fazer oposição à Reforma Protestante, mas não somente isso. Com a correta interpretação do que o concílio preconizou, com seguiu extirpar do meio do clero aqueles que se aliavam a teorias e teologias que enfraqueciam o estado clerical e a vida da Igreja. Incentivou a pastoral e a vida presbiteral como modelo de atenção aos mais pobres e aos doentes. O modo como interpretou em sua diocese o concílio trentino é modelo ainda hoje.

Em 04 de novembro de 1584 morreu em decorrência da peste que assolava Milão e que ele tanto ajudou a cuidar dos que eram abandonados na cidade com esta doença. Foi canonizado pelo Papa Paulo V em 1610. 

O Papa Bento XVI, referindo-se a ele, afirmou que “Sua figura se destaca no século XVI como modelo de pastor exemplar pela caridade, doutrina, zelo apostólico e sobretudo, pela oração. Dedicou-se por completo à Igreja ambrosiana: a visitou três vezes; convocou seis sínodos provinciais e onze diocesanos; fundou seminários para formar uma nova geração de sacerdotes; construiu hospitais e destinou as riquezas de família ao serviço dos pobres; defendeu os direitos da Igreja contra os poderosos; renovou a vida religiosa e instituiu uma nova Congregação de sacerdotes seculares, os Oblatos. (...) Seu lema consistia em uma só palavra: "Humilitas". A humildade o impulsionou, como o Senhor Jesus, a renunciar a si mesmo para fazer-se servo de todos".



O TESTEMUNHO DE VIDA PARA A CATEQUESE DO SEU REBANHO

Carlos Borromeu é o santo protetor dos catequistas e exemplo de intérprete de um concílio, modelo para a correta implantação pastoral das orientações eclesiásticas que, mesmo distantes da sede romana, eram exemplarmente vividas nos seminários e na vida cristã católica.
Vale lembrar que na época de reforma protestante, pouco a pouco já se foi alastrando a ideia de um Concílio ecumênico, e já que este parecia um meio radical para interromper, na base, os motivos de tantas críticas dos protestantes e no seio da Igreja, assim como para recompor a unidade da Igreja.

O Concílio fora convocado em Mântua, em 1537, mas, de adiamento em adiamento, acabou por começar somente em dezembro de 1545 na região de Trento. Pio IV, em janeiro de 1560, constituiu uma Comissão de reforma e inicia as providencias para a reabertura do Concílio. Carlos não está materialmente presente no Concílio, mas, com o coração, não se separa um só instante da solene assembleia. No final do Concílio, em 1564, é chamado para participar da Congregação de cardeais encarregados da interpretação dos decretos. E é aqui o ponto essencial para a interpretação e o sucesso do Concílio de Trento no meio da Igreja do séc. XVI.

No silêncio da meditação, lançou Carlos planos grandiosos para a reorganização da Igreja Católica. Estes todos se concentraram na ideia de concluir o Concílio de Trento com êxito e profundidade. De fato, era o que a Igreja mais necessitava, como base e fundamento da renovação e consolidação da vida religiosa. Por toda a parte surgiram abusos, sintomas indubitáveis de uma decadência deplorável e de uma perturbação bastante séria do regime eclesiástico. 

Podemos afirmar que Carlos foi uma força motriz no concílio e após o seu término. Pôs fim às caçadas, os banquetes, a vida luxuosa da clero. A cúria romana mudou radicalmente de aspecto: os padres circulavam vestidos de acordo com seu estado clerical e não mais com roupas de reconhecidos alfaiates italianos, que chegavam a custar centenas de moedas de ouro.  O clero então passou a manifestar exteriormente, pelas vestes, os sinais de uma renovação interior. Carlos afirmava: “Reformar-se para reformar.” Carlos quis ser o primeiro a executar as ordens da nova lei conciliar. Quanto mudou, em tão pouco tempo a vida de Carlos! Não veste mais roupas de seda, de veludo, se desfez das escuderias, carruagens. Um mês depois da chegada à Milão, como seu bispo, convocou o primeiro sínodo diocesano, cujo assunto principal era a reforma da vida clerical, de acordo com as determinações do Concílio Tridentino. 

O Concílio sofreu uma interrupção pela morte do Papa, chamado a Roma, assistiu ao tio na hora da morte (1572). No conclave que se reuniu, por ocasião da eleição do novo Papa, Carlos tomou parte. Visitou toda a sua diocese por pelo menos, três vezes. Não havia lugar, por menor que seja, que não o tivesse conhecido. No meio das fadigas da viagem (muitas vezes ele mesmo carregava a bagagem), conservava sempre o bom humor. Com os pobres, partilhava o pão dos pobres. Dias havia em que não tomava senão pão e água. Não só os católicos, mas também os próprios protestantes recebiam jubilosamente o “santo bispo”. O santo sentia-se embaraçado e magoado com tantos sinais de veneração; ele que havia escolhido para o próprio brasão o lema “Humilitas”, mas quando via que fiéis de todas as classes sociais se uniam a seu modesto séquito, recitando com ele as ladainhas e visitando as basílicas com admirável devoção, entendia que o Senhor se servia dele, que mesmo assim se julgava um servo tão indigno, para realizar coisas admiráveis. 

São Carlos está ainda convencido de que o remédio mais eficaz para a renovação da Igreja é a oração. Na cidade silenciosa, e quase totalmente paralisada pela peste, estendem-se devotas procissões penitenciais. Recita-se o rosário e o cardeal carrega uma grande cruz, caminhando de pés descalços. Carlos não fez pactos em catacumbas romanas para estar ao lado dos pobres. Ele simplesmente vivia no meio deles. Autenticamente cristão, vivia primeiro depois ensinava.

A peste ocasionou a fundação de um grande asilo para pobres. Além desta instituição, outros estabelecimentos de utilidade pública, devem a ele sua fundação. São Carlos escreveu ainda duas pastorais, uma intitulada “Reminiscências para o povo da cidade e do arcebispado de Milão, e instruções para todas as classes, para praticarem as virtudes da vida cristã”, e a outra: “Reminiscências dos dias dolorosos da peste”. 

Em outubro de 1582, Carlos dirige-se pela última vez a Roma. Gregório XIII recebeu Carlos, com as mais altas distinções. No entanto, Carlos continua com os mesmos costumes: às quatro horas da manhã encontra-se na Igreja, já em contemplação, e o povo se reúne com o santo par rezar com ele; ao meio dia espera-o o almoço, constituído de pão e água. Em compensação, os pobres, que àquela época povoavam os pátios de seu modesto aposento, recebem abundantes esmolas; à noite, após a oração propõe aos familiares algum tema de meditação para o dia seguinte. O descanso da noite não é muito longo, dorme de 3 ou 4 horas, estendido sobre uma caixa de sua capela. O restante do tempo passa em silenciosa prece, na capela da basílica. 

Carlos sente que, enfim, em sua lâmpada, sobrou pouco óleo, mas justamente por isso, intensifica a própria atividade. Em 15 de outubro ele inicia seus últimos exercícios espirituais, a partir do dia 22 têm fortes ataques de febre. Apesar do sofrimento celebra missa todos os dias. Dia 29 parte para Arona, para a inauguração do Colégio pontifício de Ascona. O cardeal dirige-se até lá numa embarcação na qual foi colocado para ele um colchão. Passa a noite rezando e falando aos barqueiros das coisas de Deus. São Carlos preside as cerimônias previstas, mas é necessário apressar sua volta a Milão. No caminho de volta, Carlos para novamente em Arona. Junto ao Colégio dos Jesuítas, por ele fundado, pouco distante de sua casa natal, celebra pela última vez. Chega a Milão a noitinha, de tanto em tanto, fecha os olhos. Não é para abandonar-se ao sono, mas somente para recolher-se mais profundamente. Carlos reabre os olhos para fixa-los na imagem do Cristo agonizante, que mandara colocar sobre um pequeno altar, aos pés do leito. Após ter recebido o viático e a unção dos enfermos, o arcebispo, sustentado por dois familiares, recolhe as últimas débeis forças para traçar com a mão um sinal de bênção sobre os presentes, e certamente, com o coração sobre todos os amados filhos.

Na noite de 3 de novembro de 1584 o cardeal Borromeo fecha os olhos à cena desta terra, para abri-los à contemplação do reino da luz. O “servo bom e fiel”, cumpria a obra que lhe havia sido confiada, pode entrar na alegria do teu Senhor.

Um comentário:

  1. Conheça a história de um dos mais fascinantes personagens da história da Igreja do século XVI. Um intérprete exemplar do Concílio de Trento, que com sua ação pastoral e implantação das orientações conciliares, construiu dezenas de seminários que eram anualmente superlotados de vocações. Um grande fruto conciliar é o dinamismo das vocações na Igreja. Saiba um pouco mais da vida e do pensamento deste grande homem!

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