sexta-feira, 22 de novembro de 2019

O REINO DE DEUS ESTÁ ENTRE VÓS


   



    I – SÍNTESE BÍBLICO-TEOLÓGICA

1.         O antigo Testamento e do Reino de Deus
No Antigo Testamento, os israelitas consideraram Deus como soberano, “rei das nações” (Jr 10,7), “grande rei de toda a terra” (Sl 47,3). Entretanto é preciso saber o que eles queriam dizer com estas expressões.

a)      Tradições históricas e oracionais
A expressão “Deus reina” pode ter nascido com a monarquia israelita. Provavelmente os reis exerciam também a função judicial, sobretudo velando pelos indefesos sem proteção alguma. Os Salmos falam de governar o povo com justiça, salvar os pobres (Sl 72,2.4).
É lógico que os israelitas entendessem reino não como um território, mas como realidade social que proclamava mudança de relações humanas no mundo. Entretanto, os reis de Israel e Judá não estiveram, em geral, à altura de sua missão.

b)      Tradições proféticas e apocalípticas
Diante deste horizonte nada favorável, os profetas foram depositando o cumprimento das aspirações de justiça do povo, na pessoa do Messias. Este, descendente de Davi, implantaria a justiça na terra. A experiência amarga do exílio não diminuiu esta esperança. Ao contrário, a reavivou. Como diz o Salmo 47,4 o Messias realizará o seu juízo à história.
Esta esperança, da revelação do poder de Deus na história humana, é característica dos profetas, foi recolhida nos escritos apocalípticos. Na época dos Macabeus, Israel resiste à invasão dos gregos. Os autores apocalípticos, fazem soar o grito pela justiça definitiva de Deus. Autores como Daniel, revelam a figuro da Filho do Homem, que virá para estabelecer o reinado de Deus sobre a ruína dos invasores. 

c)       O poder salvífico de Deus
Podemos ver então o que celebrava o israelita quando clamava a Deus como rei: celebrava o poder salvífico de Deus. Este poder se faz presente sobretudo nas intervenções históricas em favor da vida do seu povo, cujo ponto mais significativo foi a libertação da escravidão no Egito (Ex 15,18; Nm 23,21). O cântico de ação de graças pela libertação é um hino que resume a experiência salvífica: “Reina, Senhor, para sempre”. (Ex 15,18).
O Reinado de Deus se desdobrará totalmente no final dos tempos (Sl 98,9). Neste dia cessarão as discórdias e os reis de toda a terra sentarão numa mesma mesa comum. É o banquete messiânico, quando haverá paz e justiça no mundo e todos serão como irmãos.
No Novo Testamento, a expressão Reino de Deus que se lê nos evangelhos foi formulada progressivamente ao longo do Antigo Testamento e traz a mensagem de Jesus como o que trouxe o reino e com o qual ele se identificou.

2. O Novo Testamento e o Reino de Deus 

a)      Expectativas e reações dos judeus
A tradição judaica gerava diversas expectativas entre o povo judeu, no tempo de Jesus. Aqueles que pensavam o reino numa visão mítica, o aguardavam com grande poder e glória. Porém, veio a humildade da carne e não o reconheceram (Lc 17,20; Jo 1,10-11).
Seria o Messias a instaurar o reino e ele reinaria no universo. Ele vencerá o mundo presente, corrompido e estabelecerá, no final dos tempos, seu reino, um mundo novo e definitivo. Para converter este sonho em realidade, era necessário expulsar os inimigos de Israel, mesmo que para isso fosse necessário pegar em armas, ou submeter-se totalmente à Lei. Assim pensavam os fariseus. Já não se pode esperar mais que esta hora se realize. Era preciso fazer alguma coisa. Os discípulos de Jesus pressentiam que ele era o Messias (Lc 9,51-56; 19,11) e que iria dispor do Poder de Deus para esta mudança. 

b)      A chegada do Reino
Jesus não deu simples definições do Reino, mas compartilhou as esperanças que a tradição judaica lhe havia legado sobre como Deus reina.  Sobretudo, apresentou a sua vida como novidade radical, como mensageiro anunciado por Isaías (Is 52,5-7), que traz a grande notícia: Deus, em sua pessoa, aproxima-se totalmente dos homens, cumprindo assim suas promessas de salvação, da mesma forma como se comunicou a Moisés. Se antes enviou Moises para salvar seu povo, agora envia o próprio Filho para anunciar esta salvação plena.
Os anseios mais profundos dos homens e das mulheres de Israel encontravam eco realizado no que Jesus era e no que lhes dizia, porém, no mesmo tempo, sentiam-se desconcertados por seu proceder. Jesus mostrava-se herdeiro das tradições do AT sobre o Reino (MC 13,26), porém sabia romper os esquemas vigentes de seus contemporâneos e inaugurava o caminho novo do Servo de Javé (Lc 4,16s). Jesus abria caminhos diferentes do esperado e começou a tornar realidade a proximidade de Deus e sua presença salvífica do Pai. 

c)       Cristo mesmo é o Reino de Deus
Jesus começou sua pregação anunciando que “o reino de Deus está próximo” (Mc 1,15). Ao final de sua vida não temerá mostrar diante do governador romano: “Tu o dizes, eu sou rei” (Jo 18,37), e ouvirá da cruz a súplica do ladrão: “Lembra-te de mim quando vieres como rei” (Lc 23,42). Jesus, ao longo de sua vida, percebia que o reino futuro estava se tornando presente em sua ação e que, na sua pessoa, aparecia na terra algo novo: o amor infinito do Abbá, do Pai, por todos os seres humanos (Mc 1,15). 

d)      Sinais do Reino
O comportamento de Jesus com os pobres explicitou a missão que o Pai o encarregava, de instaurar o reino de Deus. Sua insistência em comer com os pecadores, traduzia este núcleo da sua mensagem. Sua presença e o Reino estavam discretamente presentes no coração das parábolas, respeitando a liberdade dos ouvintes. Por isso foi diferente a reação dos que o ouviram proclamar. Aceitar e converter-se ou rechaçar e fugir da luz. O Reino de Deus vai sendo apresentado em muitos “milagres, prodígios e sinais” (At 4,2) que mostravam que somente estaria no meio de todos, se acolhessem a pessoa e a mensagem de Jesus. Por onde passava, a todos libertava: das doenças, do mal e da morte. Trazia presente o Reino. 

e)      Características do Reino e condições para entrar nele
O povo acolhia a mensagem de Jesus de maneiras diferentes. À semelhança da parábola do semeador. É verdade que encontra obstáculos, porém o grão também cai em terra boa e dá frutos. Um grão de mostarda cresce, um pouco de fermento leveda a massa toda. Gestos sem grande relevo, vão aos poucos transformando vidas e corações. Sempre há uma esperança em mudança e vida nova. Jesus comunicava aos seus ouvintes, por imagens e parábolas, os segredos do Reino. O Reino não se pode medir, ou dizer que “está aqui ou ali, porque o reino de Deus está dentro de vós” (Lc 17,21). Em mistério, o reino está escondido, no coração daqueles que o aceitam. Mas para a plenitude do reino, é preciso que o grão de trigo morra. Na morte da semente está contida a vida (Jo 12,24).

3. A missão da Igreja 

a)      Reino e Ressurreição
A manifestação do ressuscitado e a vinda do Espírito santo confirmou definitivamente aos discípulos o começo da chegada do reinado de Deus que Jesus anunciara em sua existência terrena. À pessoa de Jesus se vinculava a pregação do Reino. Jesus anunciava o Reino. A Igreja nascente anuncia Jesus ressuscitado. Estão seguros de que anunciar o ressuscitado é anunciar o reino (At 19,8; 20,25; 28,23; 1Ts 2,12). O Reino consistirá de agora em diante, no objetivo da ação missionária. Receberão o Espírito Santo e serão testemunhas do Ressuscitado no meio do mundo (At 1,8). A Igreja será sinal do Reino de Deus entre nós. 

b)      Igreja e Reino
A Igreja está a serviço do Reino. Ela existe para evangelizar (EN 14). Como Jesus, é chamada a ser sinal do Reino (LG 5). Ao longo da história, deu frutos abundantes. Mas não está livre dos assaltos do Mal. Daí que comece a evangelizar a si mesma a fim de poder evangelizar o mundo (EN 15). O Espírito suscita a cada tempo, testemunhas, às vezes escondidas, que vão encarnando os valores do Reino no mundo. O Reino já está, misteriosamente, em nosso meio. A Igreja não esgota toda a riqueza do Reino, mas é germe e princípio dele aqui na terra. 

c)       Sacramentos, vida cristã e Reino
Quando um cristão celebra a Eucaristia, faz presente este mistério do Reino. Reconhece sua colaboração com o mal, é reconciliado, escuta a Palavra e participa do banquete dos batizados. Torna-se missionário, propagador do Reino, sal, fermento e luz no mundo.
Já São Paulo recordava aos cristãos o valor da ceia do Senhor (1Cor 11,26), e o Mestre estabelecera um laço de união entre a última ceia e o banquete do Reino (Mc 14,25). Este processo também se realiza em cada um dos sacramentos. É o Espírito Santo que leva a pessoa a aspirações, compromissos e realizações que aparecem como sinais de Deus para o mundo. Esforçam-se a repartir com mais equilíbrio seus bens e não esquecem da dignidade humana e da união fraterna. São frutos que buscamos construir para serem iluminados pela ação de Deus através de seu Filho Jesus, presente na sua Igreja e nos Sacramentos. 

d)      Diferentes formas de vida na história
A existência humana, aberta ao Espírito Santo de Deus, é o Reino. Este entendimento do Reino se deu de diversos momentos na história. Nos primeiros séculos, como afastamento do mundo, na vida monástica. Os mendicantes, na Idade Médio, compreenderam a partir da humilde vida simples e ao serviço aos pobres. O século XVI, a compreendeu como heroica superação pessoal e forte empenho missionário. Os santos da modernidade, viveram a partir da caridade e da abnegação até o martírio. No nosso tempo, viver no mundo, sem por ele se contaminar pelas suas ilusões, mas com fé viva.


      II – OS SINAIS DO REINO, HOJE 

     a)      Anseios humanos, sinais da realidade do Reino
A semente do Reino, semeada no mundo, caiu em terrenos diferentes. Mas os frutos já começaram a serem colhidos. Mesmo embora os sinais da presença do Reino estejam envoltos na limitação e ambiguidade de tudo o que é histórico, apesar de todas as contradições sempre emerge no mundo alguma coisa de humanizador.
Hoje desenvolve-se na consciência dos homens e mulheres grande respeito à natureza, ao mesmo tempo em que há grande degradação. Levanta-se por toda a parte o clamor pela paz, que coexiste com a tragédia da guerra. Ao mesmo tempo que a humanidade tem visto nascer a consciência sobre si mesmo, simultaneamente vê-se envolta em ações e atitudes desumanizadoras. 

b)      Sinais diversos no nível relacional
Em relação com a pessoa, aflora uma busca progressiva de unificação, cresce a consciência da dignidade da pessoa e seus direitos. 

c)      Em relação com a natureza
Cada vez mais, as ciências sociais buscam dar resposta à exigência universal de uma mais justa distribuição da riqueza e de uma vida mais simples e respeitosa com relação a tudo que nos cerca e a toda a humanidade. 

d)      Em relação com Deus
Surge o desejo, sempre presente, de encontrar sentido à vida, de buscar a transcendência, a verdade, uma espiritualidade que sacie a sede do coração humano. Estes desejos manifestam-se em fatos, configurados como movimentos globais.
Enfim, distinguir os sinais do Reino é tarefa de todos os batizados. É preciso fé para buscar conhecer os caminhos que Deus nos mostra ao longo da história humana. É necessário conhecer profundamente os contextos a que se referem, buscam que a Iniciação à Vida Cristã seja fundamentada na ação do Reino e possa favorecer o seu crescimento. Esta tarefa, de aproximação com Deus é um caminho sem volta.

Nenhum comentário:

Postar um comentário