I – SÍNTESE BÍBLICO-TEOLÓGICA
1.
O antigo Testamento e do Reino de Deus
No Antigo
Testamento, os israelitas consideraram Deus como soberano, “rei das nações” (Jr
10,7), “grande rei de toda a terra” (Sl 47,3). Entretanto é preciso saber o que
eles queriam dizer com estas expressões.
a) Tradições
históricas e oracionais
A expressão
“Deus reina” pode ter nascido com a monarquia israelita. Provavelmente os reis
exerciam também a função judicial, sobretudo velando pelos indefesos sem
proteção alguma. Os Salmos falam de governar o povo com justiça, salvar os
pobres (Sl 72,2.4).
É lógico que
os israelitas entendessem reino não
como um território, mas como realidade social que proclamava mudança de
relações humanas no mundo. Entretanto, os reis de Israel e Judá não estiveram,
em geral, à altura de sua missão.
b) Tradições
proféticas e apocalípticas
Diante deste
horizonte nada favorável, os profetas foram depositando o cumprimento das
aspirações de justiça do povo, na pessoa do Messias. Este, descendente de Davi,
implantaria a justiça na terra. A experiência amarga do exílio não diminuiu
esta esperança. Ao contrário, a reavivou. Como diz o Salmo 47,4 o Messias
realizará o seu juízo à história.
Esta
esperança, da revelação do poder de Deus na história humana, é característica
dos profetas, foi recolhida nos escritos apocalípticos. Na época dos Macabeus,
Israel resiste à invasão dos gregos. Os autores apocalípticos, fazem soar o
grito pela justiça definitiva de Deus. Autores como Daniel, revelam a figuro da
Filho do Homem, que virá para estabelecer o reinado de Deus sobre a ruína dos
invasores.
c) O
poder salvífico de Deus
Podemos ver
então o que celebrava o israelita quando clamava a Deus como rei: celebrava o
poder salvífico de Deus. Este poder se faz presente sobretudo nas intervenções
históricas em favor da vida do seu povo, cujo ponto mais significativo foi a
libertação da escravidão no Egito (Ex 15,18; Nm 23,21). O cântico de ação de
graças pela libertação é um hino que resume a experiência salvífica: “Reina,
Senhor, para sempre”. (Ex 15,18).
O Reinado de
Deus se desdobrará totalmente no final dos tempos (Sl 98,9). Neste dia cessarão
as discórdias e os reis de toda a terra sentarão numa mesma mesa comum. É o
banquete messiânico, quando haverá paz e justiça no mundo e todos serão como
irmãos.
No Novo
Testamento, a expressão Reino de Deus
que se lê nos evangelhos foi formulada progressivamente ao longo do Antigo
Testamento e traz a mensagem de Jesus como o que trouxe o reino e com o qual
ele se identificou.
2. O Novo
Testamento e o Reino de Deus
a) Expectativas
e reações dos judeus
A tradição
judaica gerava diversas expectativas entre o povo judeu, no tempo de Jesus.
Aqueles que pensavam o reino numa visão mítica, o aguardavam com grande poder e
glória. Porém, veio a humildade da carne e não o reconheceram (Lc 17,20; Jo
1,10-11).
Seria o
Messias a instaurar o reino e ele reinaria no universo. Ele vencerá o mundo
presente, corrompido e estabelecerá, no final dos tempos, seu reino, um mundo
novo e definitivo. Para converter este sonho em realidade, era necessário
expulsar os inimigos de Israel, mesmo que para isso fosse necessário pegar em
armas, ou submeter-se totalmente à Lei. Assim pensavam os fariseus. Já não se
pode esperar mais que esta hora se realize. Era preciso fazer alguma coisa. Os
discípulos de Jesus pressentiam que ele era o Messias (Lc 9,51-56; 19,11) e que
iria dispor do Poder de Deus para esta mudança.
b) A
chegada do Reino
Jesus não deu
simples definições do Reino, mas compartilhou as esperanças que a tradição
judaica lhe havia legado sobre como Deus reina. Sobretudo, apresentou a sua vida como novidade
radical, como mensageiro anunciado por Isaías (Is 52,5-7), que traz a grande
notícia: Deus, em sua pessoa, aproxima-se totalmente dos homens, cumprindo assim
suas promessas de salvação, da mesma forma como se comunicou a Moisés. Se antes
enviou Moises para salvar seu povo, agora envia o próprio Filho para anunciar
esta salvação plena.
Os anseios
mais profundos dos homens e das mulheres de Israel encontravam eco realizado no
que Jesus era e no que lhes dizia, porém, no mesmo tempo, sentiam-se
desconcertados por seu proceder. Jesus mostrava-se herdeiro das tradições do AT
sobre o Reino (MC 13,26), porém sabia romper os esquemas vigentes de seus
contemporâneos e inaugurava o caminho novo do Servo de Javé (Lc 4,16s). Jesus
abria caminhos diferentes do esperado e começou a tornar realidade a
proximidade de Deus e sua presença salvífica do Pai.
c) Cristo
mesmo é o Reino de Deus
Jesus começou
sua pregação anunciando que “o reino de Deus está próximo” (Mc 1,15). Ao final
de sua vida não temerá mostrar diante do governador romano: “Tu o dizes, eu sou
rei” (Jo 18,37), e ouvirá da cruz a súplica do ladrão: “Lembra-te de mim quando
vieres como rei” (Lc 23,42). Jesus, ao longo de sua vida, percebia que o reino
futuro estava se tornando presente em sua ação e que, na sua pessoa, aparecia
na terra algo novo: o amor infinito do Abbá,
do Pai, por todos os seres humanos (Mc 1,15).
d) Sinais
do Reino
O
comportamento de Jesus com os pobres explicitou a missão que o Pai o
encarregava, de instaurar o reino de Deus. Sua insistência em comer com os
pecadores, traduzia este núcleo da sua mensagem. Sua presença e o Reino estavam
discretamente presentes no coração das parábolas, respeitando a liberdade dos
ouvintes. Por isso foi diferente a reação dos que o ouviram proclamar. Aceitar
e converter-se ou rechaçar e fugir da luz. O Reino de Deus vai sendo
apresentado em muitos “milagres, prodígios e sinais” (At 4,2) que mostravam que
somente estaria no meio de todos, se acolhessem a pessoa e a mensagem de Jesus.
Por onde passava, a todos libertava: das doenças, do mal e da morte. Trazia
presente o Reino.
e) Características
do Reino e condições para entrar nele
O povo acolhia
a mensagem de Jesus de maneiras diferentes. À semelhança da parábola do
semeador. É verdade que encontra obstáculos, porém o grão também cai em terra
boa e dá frutos. Um grão de mostarda cresce, um pouco de fermento leveda a
massa toda. Gestos sem grande relevo, vão aos poucos transformando vidas e
corações. Sempre há uma esperança em mudança e vida nova. Jesus comunicava aos
seus ouvintes, por imagens e parábolas, os segredos do Reino. O Reino não se
pode medir, ou dizer que “está aqui ou ali, porque o reino de Deus está dentro
de vós” (Lc 17,21). Em mistério, o reino está escondido, no coração daqueles
que o aceitam. Mas para a plenitude do reino, é preciso que o grão de trigo
morra. Na morte da semente está contida a vida (Jo 12,24).
3. A missão da
Igreja
a) Reino
e Ressurreição
A manifestação
do ressuscitado e a vinda do Espírito santo confirmou definitivamente aos
discípulos o começo da chegada do reinado de Deus que Jesus anunciara em sua
existência terrena. À pessoa de Jesus se vinculava a pregação do Reino. Jesus
anunciava o Reino. A Igreja nascente anuncia Jesus ressuscitado. Estão seguros
de que anunciar o ressuscitado é anunciar o reino (At 19,8; 20,25; 28,23; 1Ts
2,12). O Reino consistirá de agora em diante, no objetivo da ação missionária.
Receberão o Espírito Santo e serão testemunhas do Ressuscitado no meio do mundo
(At 1,8). A Igreja será sinal do Reino de Deus entre nós.
b) Igreja
e Reino
A Igreja está
a serviço do Reino. Ela existe para evangelizar (EN 14). Como Jesus, é chamada
a ser sinal do Reino (LG 5). Ao longo da história, deu frutos abundantes. Mas
não está livre dos assaltos do Mal. Daí que comece a evangelizar a si mesma a
fim de poder evangelizar o mundo (EN 15). O Espírito suscita a cada tempo,
testemunhas, às vezes escondidas, que vão encarnando os valores do Reino no
mundo. O Reino já está, misteriosamente, em nosso meio. A Igreja não esgota
toda a riqueza do Reino, mas é germe e princípio dele aqui na terra.
c) Sacramentos,
vida cristã e Reino
Quando um
cristão celebra a Eucaristia, faz presente este mistério do Reino. Reconhece
sua colaboração com o mal, é reconciliado, escuta a Palavra e participa do
banquete dos batizados. Torna-se missionário, propagador do Reino, sal,
fermento e luz no mundo.
Já São Paulo
recordava aos cristãos o valor da ceia do Senhor (1Cor 11,26), e o Mestre
estabelecera um laço de união entre a última ceia e o banquete do Reino (Mc
14,25). Este processo também se realiza em cada um dos sacramentos. É o
Espírito Santo que leva a pessoa a aspirações, compromissos e realizações que
aparecem como sinais de Deus para o mundo. Esforçam-se a repartir com mais
equilíbrio seus bens e não esquecem da dignidade humana e da união fraterna.
São frutos que buscamos construir para serem iluminados pela ação de Deus
através de seu Filho Jesus, presente na sua Igreja e nos Sacramentos.
d) Diferentes
formas de vida na história
A existência
humana, aberta ao Espírito Santo de Deus, é o Reino. Este entendimento do Reino
se deu de diversos momentos na história. Nos primeiros séculos, como
afastamento do mundo, na vida monástica. Os mendicantes, na Idade Médio,
compreenderam a partir da humilde vida simples e ao serviço aos pobres. O
século XVI, a compreendeu como heroica superação pessoal e forte empenho
missionário. Os santos da modernidade, viveram a partir da caridade e da
abnegação até o martírio. No nosso tempo, viver no mundo, sem por ele se
contaminar pelas suas ilusões, mas com fé viva.
II – OS SINAIS DO REINO, HOJE
a) Anseios
humanos, sinais da realidade do Reino
A semente
do Reino, semeada no mundo, caiu em terrenos diferentes. Mas os frutos já
começaram a serem colhidos. Mesmo embora os sinais da presença do Reino estejam
envoltos na limitação e ambiguidade de tudo o que é histórico, apesar de todas
as contradições sempre emerge no mundo alguma coisa de humanizador.
Hoje
desenvolve-se na consciência dos homens e mulheres grande respeito à natureza,
ao mesmo tempo em que há grande degradação. Levanta-se por toda a parte o
clamor pela paz, que coexiste com a tragédia da guerra. Ao mesmo tempo que a
humanidade tem visto nascer a consciência sobre si mesmo, simultaneamente vê-se
envolta em ações e atitudes desumanizadoras.
b) Sinais
diversos no nível relacional
Em relação
com a pessoa, aflora uma busca progressiva de unificação, cresce a consciência
da dignidade da pessoa e seus direitos.
c) Em relação
com a natureza
Cada vez
mais, as ciências sociais buscam dar resposta à exigência universal de uma mais
justa distribuição da riqueza e de uma vida mais simples e respeitosa com
relação a tudo que nos cerca e a toda a humanidade.
d) Em relação
com Deus
Surge o desejo,
sempre presente, de encontrar sentido à vida, de buscar a transcendência, a
verdade, uma espiritualidade que sacie a sede do coração humano. Estes desejos
manifestam-se em fatos, configurados como movimentos globais.
Enfim,
distinguir os sinais do Reino é tarefa de todos os batizados. É preciso fé para
buscar conhecer os caminhos que Deus nos mostra ao longo da história humana. É
necessário conhecer profundamente os contextos a que se referem, buscam que a
Iniciação à Vida Cristã seja fundamentada na ação do Reino e possa favorecer o
seu crescimento. Esta tarefa, de aproximação com Deus é um caminho sem volta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário