segunda-feira, 21 de agosto de 2017

O MEDO DA MORTE NA CONTEMPORANEIDADE *

Numa época em que muito se fala e se vende o fim do mundo, talvez uma reflexão sobre a morte possa trazer alguns elementos fundamentais da reflexão a partir da tanatologia, que busca aprofundar este tema que a todos nos envolve e desafia. Vale a pena a leitura. 

* Este texto é de autoria de Tiago de Souza, graduando do 3º ano de Teologia da Faculdade Católica de Santa Catarina (FACASC).  


A modernidade está imersa em inúmeros avanços científicos e tecnológicos que possibilitam o homem e a mulher aumentarem seus conhecimentos, dominarem diversos recursos naturais, transformando-os em benefício próprio e assim viverem confortavelmente. Entretanto, aumentou o número de pessoas que não conseguem lidar, superar o que é mais próprio seu: os medos, entre eles o medo da morte. Mas o que é a morte? O dicionário apresenta alguns significados comuns sobre a morte: fim, destruição, ruína. Todas essas palavras não expressam situações positivas, mas ocasos ruins para as pessoas. Aí já se encontra uma carga negativa que atualmente a morte tem.

É fato ver que a sociedade ocidental não se questiona sobre a morte, ao contrário, prega e transmite aos seus descendentes uma anticultura da morte. Um exemplo disso são as crianças que hoje não são mais expostas às situações de morte. Antigamente, desde novinhas, cresciam ouvindo sobre a morte, eram colocadas diante da morte, participando de velórios ou dos últimos momentos de vida das pessoas que lhe eram próximas. Hoje é raridade isso acontecer.

O ginecologista e tanatólogo Sebastião Galeno apresenta uma reflexão no mínimo curiosa sobre qual a origem do medo da morte, o qual é no mínimo curioso e se deve dar maior atenção. Segundo ele, a causa está além das aparências, não está no exterior, fora, mas dentro da pessoa. Em outras palavras, o medo está no auto, severo e solitário julgamento que acontece imediatamente após a morte. Assim, a morte abre caminho para a pessoa olhar para si mesma com verdade, pureza e sinceridade, avaliando seus atos em vida, vendo-os se foram dignos de pessoas criadas à imagem do Pai. Durante toda uma existência marcada pela competição, pela busca da sobrevivência e do reconhecimento, muitas vezes, impulsionada por atitudes desonestas para com o outro, e facilmente esquecidas pelas exigências de cada dia, agora, após a morte, vem à tona e não a como fugir.
"O Sepultamento de Atala". Anne Louis Girodet de Roucy Trioson. Óleo sobre tela. 207x267cm. 1808. Musée du Louvre. Paris, France.

Galeno afirma como solução que se deve sair do comodismo e assumir a vida em sua plenitude. Não vê-la só pelo crivo da ciência, que tem seu valor, pois ajuda na sobrevivência humana, mas que é finita e compreende a morte como fim. Mas olhar com a visão do espírito que transcende a materialidade. Isso fará com que o consumismo, o imediatismo, o materialismo, a competitividade, não sejam prioridade. Assim sendo, de acordo com Galeno, a solução está no equilíbrio entre espiritualidade e ciência, pois precisamos viver e administrar bem a matéria, mas também transcendê-la porque ela não resume toda a realidade. Dessa forma, esse medo irá aos poucos se esvaindo, pois a vida será mais bem vivida e o julgamento da consciência não pegará o Homem de surpresa. Então, a morte será tranquilamente compreendida como uma passagem.

Portanto, o medo da morte, mas do que outrora é patente nos tempos hodiernos. Viu-se que como pano de fundo há o drama da solidão, da vergonha e do julgamento último. Uma forma objetiva que pode ajudar a superar ou canalizar esse medo da morte é viver a existência sem encerrar a vida no aqui, no agora, na ciência, nos bens que geram conforto e prazer imediato, mas fazendo uso disso, transcende-los, abrindo-se para a realidade espiritual. Essa atitude dará a possibilidade ao homem e a mulher de alargarem sua existência, permitindo-se acessar o horizonte da esperança. Assim, a morte tem a possibilidade de tornar-se tranquilizadora, libertadora, plenificante, sendo porta para uma realidade maravilhosa.

REFERÊNCIAS

COMBINATO, Denise S.; QUEIROZ, Marcos S. Morte: uma visão psicossocial. Estudos de Psicologia, v.11 no2, 2006. p. 209-216, p. 211. Disponível em:< http://www.scielo.br/pdf/%0D/epsic/ v11n2/a10v11n2.pdf>. Acesso  em: 15 jun. 2017.

GALENO, Sebastião. Medo da morte, medo da vida. In: D´ASSUMPÇÃO, Everaldo A. (Org.). Biotanatologia e Bioética. São Paulo: Paulinas, 2001. p. 61-69, p. 61-62.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

O EVANGELHO SEGUNDO LUCAS – uma investigação da verdadeira missão de Jesus.


São Lucas Evangelista (1602-1605), El Greco, na Catedral de Toledo (Espanha)

O que vai transformar a vida das comunidades em torno da experiência da ressurreição de Jesus será, de uma forma ampliada, aquela maneira com que Lucas aposta na missão evangélica e na pregação: a todos é manifestada a verdade do Pai. Escrito a partir da ótica de quem não estava ligado à pedagogia da comunidade judia, mas às diversidades de manifestações religiosas do mundo grego, o evangelista traz à tona uma das maiores mensagens que Jesus Cristo trouxe ao mundo. Pela sua encarnação, Ele manifesta a todos nós que, embora estejamos cercados dos males deste mundo, não é possível que permaneçamos em atitude de exclusão, mas nos impele a procurar “salvar o que estava perdido” (19,10). A lógica da exclusão serve como uma luva àqueles que querem desviar todos do verdadeiro caminho. Inverter a lógica de uma sociedade fundamentada na dialética excludente, alicerçada numa cultura que promove a indiferença, pode ter sérios comprometimentos com a atualização da mensagem evangélica.

O livro de Lucas, propriamente, o Evangelho, é a primeira parte de uma obra em dois volumes, que busca fundamentar no primeiro, aquilo que se repercute de forma ágil e firme no segundo. É importante saber por que as comunidades investiram no seguimento de Jesus, a partir da pregação do apóstolo Paulo. É preciso aqui ter em mente que as comunidades queriam, de forma contundente, demonstrar que a história pode ser transformada pela mensagem de Jesus. E pode ser de maneira decisiva, que ultrapassa o tempo e o espaço e pode penetrar como fermento na massa, tudo modificando, tudo transformando com vida nova, fazendo discípulos de Jesus.

Mas Lucas inicia de maneira peculiar sua proposta de anúncio do Messias, colocando Jesus na Sinagoga, de onde ele falava de muitas formas ao longo de sua vida pública. Lá é onde encontrará na Lei, nos Profetas e nos Escritos, sua missão de forma mais atraente a todos os que são chamados à Nova Vida, mas em especial, àqueles que aceitam sua mensagem salvífica. De modo ainda muito especial, àqueles que, alheios ao cumprimento da antiga Lei e desconhecendo os limites e as distinções que levam o ser humano ao isolamento em uma única forma de salvação, estabelecem na observância do Evangelho, na fé em Jesus Cristo, o mistério profundo da salvação.

Ora, Jesus entra na sinagoga de Nazaré para ler Isaías 61, 1-2. Assim, agora todos conhecem que nele se encontra a porta que abre para o novo. Uma nova esperança para todo o povo, especialmente os pobres. Por fim, Jesus é o ungido. O Espírito do Senhor está sobre ele e o cumprimento da escritura aconteceu na plenitude dos tempos, agora, hoje, aqui. Portanto, a partilha torna-se plenitude de sua mensagem. Esta nova história que Jesus forma com seus discípulos e todos aqueles que o seguirão ao longo dos séculos, será exigente e não deixará que qualquer experiência alheia ao Evangelho, impeça a liberdade daqueles que aceitam plenamente a mensagem de Jesus. Libertar o ser humano de práticas não condizentes com a Boa Nova, de toda violência e práticas discriminatórias, poderá, enfim, ser o final libertador e salvador.

O propósito de Lucas (Cl 4,14; Fm 24) como autor dos dois livros, encerra uma nova experiência na comunidade. Era preciso, além de mostrar a trajetória de Jesus na Galileia, na Samaria e na Judeia (precisamente em Jerusalém), podemos demostrar como a Samaria ocupará o lugar central do perfil do evangelista, assim como a instituição da Eucaristia será janela por onde poderemos vislumbrar todo o conteúdo da mensagem lucana: a salvação veio para todos.

O cumprimento da Lei (4, 16), é demostrado no início do capítulo 4: era costume dele ir à sinagoga em dia de Sábado. Entretanto, Jesus vai apontar uma nova ordem que, dentro de uma atitude profética, esboça seu programa de vida. Realmente ali, ele quis se revelar aos seus conhecidos, de forma clara e profunda. É o Espírito do Senhor que o autoriza a iniciar sua missão de pregar, a todos os povos, um mandato libertador. As comunidades que liam o evangelho de Lucas, buscavam viver sob a ação do Espírito e realizar sua missão a partir da fonte e testemunho da palavra de Jesus. O Messias tem a autoridade revelada pelo Pai para, em seu nome, fundar um novo tempo. Ele independe da vontade do Templo, que naquela época era assumidamente local da realização de uma teologia fundada na lógica da retribuição a partir da vivência de normas estabelecidas ao longo da história do povo escolhido. Jesus contradiz esta postura cercante e abre as portas para um novo modo de pensar a vivência da Lei. Ele não está alheio às memórias que perpassam o espaço social, cultural e religioso de sua época, mas não para nestas tradições.

O destaque que o autor começa a apresentar é a forma com que Jesus vai anunciar a Boa Nova do Reino de Deus. O Pai é quem lhe dá a autonomia e o apoia nesta missão, ungindo-o. Ali naquele dia, a comunidade conhece que este Messias não será aquele que por vezes foi anunciado: o libertador social e político. Era o Desejado das Nações. Era além de Israel. Era para mais do povo escolhido. Os pobres são os destinatários de sua mensagem. Os prisioneiros, todos aqueles que estão aprisionados em suas metáforas sociais que os impede de ver e ouvir a mensagem de salvação, são agora destinatários da salvação vinda de Deus. As formas de pensar, para Lucas, o que hoje podemos chamar de arquétipos ou esquemas mentais, são contornos que impedem de aceitar livremente a mensagem. Estas formas de pensar impedem o convívio sadio nas comunidades de todos os tempos, não somente àquelas para as quais foram escritos os textos lucanos. Por fim, os cegos, aqui entendidos como aqueles que não querem ver. Alheios em responder à sua missão nas comunidades, se isolam na prática da injustiça, manipulando a religião e esforçando-se a impedir que outros possam ouvir e crer. Mas, longe de os excluir, Jesus traz a todos a cura e a Vida Nova em uma observância que vá além das aparências e cure o coração.

Na sinagoga ele estabelece o que Jesus irá desenvolver ao longo de sua missão. É preciso trazer ao homem, agora, um novo tempo e um tempo da graça plena do Senhor. Um ano favorável em que se possa esperar melhores condições para ouvir a mensagem de salvação. É preciso reiniciar tudo de novo e do começo. É preciso acreditar que o homem e a mulher poderão entender, de forma razoável, àquilo que é imprescindível para uma nova mentalidade de libertação de cada um e do povo como discípulos seguidores de Jesus Cristo. Nele, pode-se afirmar, o evangelista demostra que, a partir da conversão e da penitência, o pecador pode apoiar-se em acreditar que é possível reiniciar numa nova perspectiva salvífica: o Reino de Deus é o Reio da Graça, da benção, da superação de tudo aquilo que impede de o ser humano desenvolver-se otimamente rumo ao seu Criador e Pai.

Assim, aqui o autor quer mostrar um novo conceito social, político, cultural e religioso. De forma análoga, não era possível que a mensagem de Jesus encontrasse esta sociedade alienada em sua maneira anacrônica de pensar e fosse transformada por sua pregação. Era preciso que cada um entendesse e confiasse naquela mensagem transformadora que Jesus anunciará com toda ênfase e firmeza a todos quantos quiserem o seguir. O convite será feito de muitas formas diferentes, mas a mensagem de transformação da vida, numa nova proposta e numa etapa ainda mais exigente será o elo no qual se apoiará a mensagem lucana aos povos de origem grega, especialmente àqueles oriundos das comunidades fundadas por Paulo em suas viagens.

Por fim, esta passagem tem um dos mais importantes termos do Novo Testamento. Destaca a atualidade da mensagem salvífica e assume a dimensão temporal de maneira a gerar um dinamismo próprio daqueles que foram ungidos e batizados. É no hoje (4, 21), o kairoj em que se apoiará a mensagem paulina de forma contundente. É preciso que a conversão aconteça hoje e não se espere por algo que ainda poderá vir, mas se creia na Boa Nova de Jesus Cristo e naquele que o enviou ao mundo, Deus Pai. O texto confirma o tempo favorável da ação de Deus. Para os que esperavam o Tempo Messiânico, a palavra objetiva de Jesus serviu como um conforto. Mas os que detinham o poder viam sua supremacia ideológica misteriosamente usurpada e profanada e buscavam deter o entusiasmo daqueles que acreditavam: Não é este o filho de José? (4, 22). Neste cenário, Jesus demostra sua missão como aquela em que os mais humildes poderão, finalmente, sentirem a presença de um Deus que é misericórdia e compaixão.

A oposição a Jesus vai se tornar cada vez maior à medida em que ele vai avançando sobre os pilares estabelecidos pela velha oligarquia sagrada que a tudo normatizava em conformidade com os seus interesses antagônicos. Jesus vai estabelecer, em Lucas, uma mensagem para os de fora, em oposição aos de dentro. Pode-se compreender porque que estes temas voltarão a perpassar diversas perícopes do texto lucano. Era agora necessário um tempo de favorecimento incondicional aos pobres, àqueles que aceitaram a mensagem salvadora e àqueles que se confrontavam diante das opressões a que eram submetidos, mas que nem por isso alienavam-se na crença de que aos pobres era necessário o sofrimento e aos escolhidos, as graças.

Por fim, o início da missão de Jesus, após o batismo, o testemunho na sinagoga, a pregação na periferia de Cafarnaum era o modelo da ação que o discípulo deveria entrever na sua realidade cultural, especialmente começando por Jerusalém (24, 47), mas não parando por aí. Indo até confins do mundo (Atos 1,8), pregando uma nova esperança a todos os que desistiram de buscar forças para uma nova vida alicerçada no Espírito Santo.

Do deserto a Nazaré e Cafarnaum, Lucas vai baseando a vida de Jesus na sua autoridade, que vem do Pai (3, 22) e que a todos toma de espanto, por suas obras que certificam a vinda do Reino (4, 36). Ao sair da sinagoga de Cafarnaum, cidade em que morava, entra na casa de Simão, onde realiza muitas curas. Sua filiação divina é revelada. Mas não para onde está. Caminha sempre pois o Reino se faz caminhando. É na vida e na história que a realidade salvífica do novo Povo de Deus se realiza. Sair da própria terra, de seu convívio pessoal, como exemplo dado pelo próprio Jesus, é essencial para que a mensagem evangélica possa adentrar nos mais diversos povos de maneira eficaz e atual. É preciso fazer este caminho. E este movimento independe de qualquer limitador externo, posição social, condições pessoais ou ideologias. É um acompanhar o caminho que nos faz seguidores.

O caminho que Jesus convida em Lucas é o caminho daqueles que perguntam: o que devemos fazer? O Filho de Adão, é o Filho de Deus e ajuda a sair dos fundamentalismos fracassados de todos os tempos. A realização de Jesus com o poder, deixa claro aos discípulos como deverão se comportar diante dos poderosos. O poder econômico, o poder político e o poder religioso da época de Jesus, não puderam compreender a opção do nazareno. É em vista de sua honestidade e obediente escolha por cumprir a vontade do Pai, que Jesus faz a opção por aquilo que acredita e que se apresenta diante dele em sua missão. Os discípulos não poderão escolher outro caminho se quiserem compreender e viver a mensagem evangélica. Convidados à partilha, à oração e à vida no Espírito, a comunidade que lê o texto de Lucas, moradores da cidade, ricos e pobres, o cântico de Maria, mãe de Jesus, como o anúncio plenificado da mensagem realizada. Subverte a estrutura social e exalta os humildes, enquanto derruba dos ricos de seus tronos. O único reino que não terá fim será o de Jesus. Mas isso somente entenderão que compreender o lugar do próximo na organização da comunidade. Assim, a prática cristã é baseada numa nova prática que Lucas quer deixar bem claro nos seus dois livros. Não é possível acreditar em Jesus Cristo e manter-se nos limites das injustas relações em favor da injustiça. Em sintonia com sua missão, Jesus observa a abrangência ímpar da mensagem do Reino e estabelece nas comunidades uma nova partilha simbolizada no dito tudo o que é meu, é teu (15,31) e atualiza aquele designo temporal kairológico. Afinal, não era mais possível que a comunidade esperasse pela segunda vinda de Jesus como algo quase que imediato ao anúncio da Palavra e à conversão. Era necessário que a comunidade vivesse agora o ideal da partilha e da justiça, dentro da casa e na diversidade de membros. A experiência da ressurreição faz com que os discípulos abram a sua casa para que ele possa adentrar. O medo não mais deve acompanhar o discípulo. Ele sabe que por acreditar em Jesus sofrerá perseguições. Entretanto, é preciso que sua fé esteja no mundo como sal e fermento e consiga, pelo testemunho, atrair outros mais ao seguimento do Mestre.

Após a ressurreição, era preciso que a comunidade reconhecesse Jesus na partilha e na solidariedade. Era preciso voltar à Jerusalém e recolocar-se no caminho, como bem fizeram os Discípulos de Emaús (24, 13-35). O projeto de Jesus continua vivo e atuante na comunidade. É preciso trazer o cristão para o centro. Para a cidade, para o desafio da pregação em meio às crises do caminho. Assumindo o medo, o convertido vai além do conformismo com a condição em que se encontra a sociedade e sua família. Lucas mostra muito bem que no caminho e nas travessias, as tempestades e as dificuldades no caminho são permanentes. Todavia, é neste caminho que acontecem curas, conversões e novos se aproximam do Mestre para ouvi-lo e lhe falar. Era preciso tocar a lepra. Era preciso ir para além do Templo. Era preciso apresentar um novo tempo e uma nova esperança, alicerçada na misericórdia e na concordância ao Evangelho.

O evangelista no texto de Lucas apresenta um Jesus, que é o Cristo (1, 32; 22, 67), o Filho de Deus (1, 35; 22, 70), o Profeta (4, 24; 13, 33), o Salvador (2, 11), o Servo (2, 43; 3, 22) e o Rei (22, 28.30). Para os povos que o conheceram sem terem antes conhecido a Lei e os profetas, foi uma maneira autêntica de trazer os fundamentos da fé e confirma-los na pessoa de Jesus, como cumprimento da promessa do Pai. Ele é o Cristo, o Filho de Deus e o Senhor. Sob este tripé, a obra lucana estabelecerá a seus leitores, especialmente de origem grega, distantes do conhecimento judaico, as bases onde se fundamenta a pessoa de Jesus como Profeta, Salvador, Rei e Servo. Este Jesus profeta vem numa cristologia corajosa, ativa que reflete a concordância da comunidade de que Jesus estava presente na missão. A comunidade então torna-se dom e lugar exemplar onde acontece a partilha, o trabalho e a justiça querida por Deus. Esta comunidade entende-se misericordiosa e tem a coragem de estar com o irmão e o tornar senhor de sua história e pai de um novo povo. É esta virtude moral que impõe à sociedade e à comunidade, princípios éticos e sociais que interpelam para uma escatologia presente no kairoj dinâmico e exigente de uma eclesiologia que ultrapassa velhas posturas e é dirigida a todos os que são amigos de Deus. 

A comunidade percebe que, por suas forças, não poderá viver o Evangelho. É preciso uma força do alto (24,49) que os impelirá a proclamar um tempo novo, que mudará o mundo. 

A MESA EM COMUM E O COMUM NA MESA


Pode uma comunidade tão diversificada como aquelas formadas à sombra dos elementos fundantes de uma cristologia que possa trazer a experiência do ressuscitado para outro lugar e época, dar conta de tantos desafios que as comunidades se impõem diante de um aceitável processo de entendimento do que deveria ser abandonado e do que precisaria ser assumido? Esta questão, de certo modo, equivale-se aos fundamentos da fé e tornar íntimo o que não o é, somente pela fé, foi-se tornando um tema retomado inúmeras vezes ao longo da escrita lucana.

A comunhão comum, à mesa, próximo e igual, foi tomada de grande impacto nas comunidades e constituiu-se num problema urgente a ser resolvido, para que o elemento constitutivo da comunhão, a mesa, pudesse alçar ao patamar a que lhe convinha e constituía alimento e memória, plano do Senhor para recordar sua vida, obra, paixão, morte e ressurreição. Um elemento tão fundante não poderia passar ao longe das discussões que o tornaria apelo à conversão dos dois lados, sejam judeus ou não.

Algumas comunidades tinham dificuldade em comungar da mesma mesa, apesar das diferenças, por se tratar da razão aos princípios judaicos enraizados nas comunidades cristão primeiras (Gl 2, 11-14). Por outro lado, na mesma época, em Antioquia, a comunhão da mesa era algo mais comum e tornava-se, por outro lado, constitutivo de outra tradição ainda não generalizada em todas as comunidades.

A mesa não era somente um atestado da vivência atualizada da mensagem de fraternidade pregada pelo nazareno, mas facilitava um olhar às novas gerações, que cresciam deparando-se com esta comunhão, de forma natural e autêntica. Não era hora, pois, de isolar-se. Era preciso garantir um novo modus vivendi. Iniciava-se nas comunidades, um novo paralelo: agora, para ser seguidor de Cristo, não era preciso obedecer aos preceitos da Lei. Antes, era preciso ser intimamente tomado por uma experiência de fraternidade que não encontrava limites às singelas relações familiares, culturais ou políticas. E Paulo será aquele que, advindo da comunidade judaica, irá apontar para um outro e novo caminho, aquele a que todos os discípulos estariam dispostos a seguir, embora a prática da mesa comum não tivesse assim tantos elementos simples que pudesse ser aceita por todos. Agora o pobre, o comum, aproxima-se e come.

Talvez pudéssemos pensar que, ao introduzir a mesa, a refeição em comum, o próprio Cristo já tivesse anteposto tantas questões que surgiriam. Na última refeição, diversas palavras limitam o acesso à refeição e à comunhão. Se não se destaca Judas que sai da refeição, um ato pleno de ojeriza entre os judeus, é Pedro que se nega a ter os pés lavados pelo mestre. Já naquela refeição, tão plena de significados, a luta por interesses diversos da fraternidade, já surge como tema norteador e que derruba qualquer indício de uma relação plenamente fraternal. Mas, por outro lado, o perdão está em toda parte e Lucas reconhece na comunidade da mesa, uma oportunidade em que a misericórdia é abertamente elemento que constituirá cada um dos apóstolos nos atos que se sucedem até o final do evangelho.

Assim, de modo breve, pode-se crer que todos aqueles que se constituem na diversidade, alheios à rudimentar e estreita observância da Lei e que estejam dispostos a abraçar a fé, numa comunidade em que a partilha, o amor aos pobres e o desapego às riquezas, são destacados na obra lucana. Afinal, não seria possível escrever para grupos tão diversificados para os quais Lucas escreve, sem levar em consideração a força que é uma comunidade animada em meio a pagãos convertidos ao cristianismo. Agora, estes já são seguidores de Jesus Cristo e constituíam-se adoradores de Deus (At 13, 43-50). Presentes desde o início da Igreja, destacados em Pentecostes (At 13, 16). Por outro lado, quando expulsos das sinagogas justamente por terem no seu meio helenistas convertidos, os judeus convertidos, tinham em vista uma real e sincera dedicação àquilo que os afastava uns dos outros: a comunhão da mesa era um sinal da plena comunhão que estava por vir, na segunda vinda de Cristo, mas também agora, enquanto o aguardavam.

De qualquer forma, ao entender a comunhão de mesa como próprio desta nova comunidade, os cristãos agora podiam caminhar numa nova direção, por suas próprias pernas e pensar a partir de suas próprias experiências de fraternidade. Começava agora aquilo que conheceremos como cristianismos dos primeiros tempos. Aqui o testemunho, em meio às perseguições, valerá muito mais que a Lei. A fraternidade, entendida além do preceito, mais que a sinagoga. A mesa, espaço da plenitude e da partilha, muito mais que o Templo. Era o tempo da refeição que nascia da comunhão.

AS PESSOAS DIVINAS: EXPRESSÃO DE UM COMUNICAR INFINITO


Este artigo quer tornar possível a aproximação entre Scotus e Eckhart. Como Scotus bem discerne sobre as inúmeras confusões no campo de estudos sobre a Santíssima Trindade, busca bem especular os mistérios da fé, Dotado de um raciocínio ímpar, é capaz de, numa discussão, desconstruir argumentos equivocados e forjar novos, ao mesmo tempo em que mantém sua linha primeira de análise e raciocínio. Com Scotus, talvez a “Teologia cristã tenha atingido os mais altos píncaros da especulação”.

Por outro lado, Eckhart, homem versado na pregação e no ensinamento do Evangelho também junto ao povo iletrado, caracterizou-se pela vocação mística “que o fez uma das maiores testemunhas do evento crístico por excelência: a transparência divina em meio aos mais profundos abismos humanos”. Exigia de quem o escutava, muita sutileza, por seu estilo deveras paradoxal. Seu estilo e profundidade nas especulações, revelam uma particular mística.

1.    JOHANNES DUNS SCOTUS


Entrou muito jovem na Ordem dos Frades Menores (cerca de 1280). Ordenado sacerdote a 17.3.1291, continuou os estudos de teologia em Oxford (1291-1293) e Paris (1293-1296), onde teve como mestre, entre outros, Gonçalvo Hispano. Tendo regressado a Inglaterra em 1297, lê as Sentenças em diversos centros (studia) da Ordem: primeiro em Cambridge (Lectura Cantabrigiensis conservada no manuscrito 112 da biblioteca comunal de Todi), a partir de julho de 1300 em Oxford (Lectura I Oxon., que constitui a primeira redação do Opus Ox. ou Ordinatio) e, finalmente, em fins de 1302 e princípios de 1303 em Paris (manuscrito 66 do Merton College). Recusando-se a subscrever a petição de Filipe, o Belo, contra Bonifácio VIII, é coagido a abandonar Paris e vai continuar a sua carreira docente em Oxford. Em breve, sanado o conflito entre o Papa e o rei, regressa a Paris onde, mediante proposta do ministro geral, Gonçalvo Hispano, de 18.11.1304, obtém o grau de doutor em fins de 1305. De 1305 a 1306 comenta de novo as Sentenças, agora como mestre regente, no Studium franciscano em Oxford (1305-1306) e, em seguida, em Paris (1306-1307).
Em fins de 1307, por motivos a que não deve ser estranha a situação provocada pelo processo contra os Templários e a desconfiança a que foram votados nos meios parisienses os defensores da Imaculada Conceição, é enviado para Colônia, onde morre aos 43 anos. O seu corpo repousa na Minoritenkirche dos Franciscanos Conventuais, em Colônia. Sobre o seu túmulo lê-se, a partir de 1870: Scotia me genuit, Anglia me suscepit, Gallia me docuit, Colonia me tenet.
Foi honrado, ainda em vida, com o título de Doutor Sutil a que posteriormente se juntou o de Doutor Mariano. Com a doutrina divulgou-se a fama de suas virtudes, sendo-lhe prestado culto público em diversos lugares (Colônia e Nola). O processo de beatificação e canonização foi introduzido em 1905. Foi beatificado em 20 de março de 1993, durante o pontificado do Papa João Paulo II. Na liturgia é lembrado no dia 08 de maio.

1.1    As pessoas em Deus são um contínuo “tornar-se”

Duns Scotus afirma que Deus é um ser eminentemente pessoal e se distingue das criaturas de modo absoluto. Assim, um ser totalmente desvinculado do universo e, portanto, distinto dele. Fazem parte dos seus requisitos, a total independência do mundo criado e a subsistência plena em si mesmo (unidade, inteligência e vontade livre).
A personalidade de Deus é constituída, fundamentalmente, por sua total independência e incomunicabilidade (cf. Ordinatio I, d. 23,. N. 16). Sentido positivo, expressão de uma existência autônoma e uma real subsistência. Para Scotus, este é o que define a pessoa: ser por si mesmo. Além disso, para ele a unicidade proveniente de sua infinitude é constituinte da personalidade de Deus. Como a perfeição em Deus é infinita, tornada assim irrepetível, não pode haver contradição entre a infinitude e a incomunicabilidade.
Deus opera independente de qualquer outro ente e, portanto, além de não ser causado por nenhum outro, ele deve ser soberanamente livre por ser autônomo no agir. Deus não pode não se revelar como ser perfeitamente pessoal. Mesmo que Deus não tivesse se revelado como sendo três Pessoas-Trindade seria necessário concluir que Ele é pessoa e, portanto, um ser constituído por uma inteligência e uma vontade inteiramente livre. O modo de Deus ser é sua subsistência.

1.2    Deus é formalmente amor e, portanto, Trindade Una e Simples

O atributo divino que Duns Scotus mais salienta é o amor. A criação, então, é a produção livre e total do ser das criaturas e acolhida como a comunicação livre ad extra de Deus. Na Encarnação, é o sentido e a razão de ser da criação. É pela Encarnação do Verbo que Deus oferece a possibilidade de participação plena à sua vida íntima. Livremente, Deus deseja reconduzir todas as criaturas a si. Afirma que “Deus é formalmente amor não apenas no seu operar, mas também no seu ser”. (Ordinatio I, d. 17, q. 3, n. 3). Para Scotus, a revelação bíblica é a única capaz de nos dar o conhecimento perfeito da vida íntima de Deus.
Cabe ao teólogo a tarefa de afirmar a Trindade das pessoas em Deus e a unidade de sua essência. Descarta, com sutileza, a aparente contradição entre as preposições. Para ele, do ponto de vista lógico, é possível toda reflexão onde não haja contradição (ou seja, afirmar e negar a mesma coisa, sob o mesmo aspecto). Encontramo-nos diante de duas afirmações diversas: Unidade da Essência e Trindade das Pessoas.
Portanto, não existe contradição ao afirmar simultaneamente: Unidade = Essência e Trindade = Pessoas. Como conciliar a pluralidade das Pessoas com a unidade da Essência? É uno em razão de sua própria natureza, ser único e não irrepetível. É plural da distinção das Pessoas em virtude de suas relações de origem.

1.3  Enquanto incomunicável, Pessoa é ‘última solidão’

Ontologicamente, o que diferencia a Pessoa da natureza/essência é a incomunicabilidade. Diferencial como realidade positiva em grau máximo. O máximo grau de ser. A existência autônoma/a subsistência incomunicável é constitutivo da Pessoa. Então, qual é o elemento que distingue Pessoa de Substância/Essência? É a incomunicabilidade entendida como modo de existir próprio, específico.
O que distingue, portanto, cada uma das pessoas no interior da Trindade, é o modelo próprio e incomunicável de cada uma possuir a mesma e única natureza divina. A unidade acontece na mesma e única natureza divina. A distinção é o modo próprio e incomunicável de cada uma possuir a mesma essência. De que maneira, então, cada Pessoa possuirá, a seu modo próprio, a mesma e idêntica natureza que lhes é comum?

1.4 Enquanto ‘distinta de’ e ‘referida a’, Pessoa é ‘relação’

Elemento constitutivo da Pessoa Divina é a relação que distingue e, ao mesmo tempo, congrega cada pessoa às demais. Em resumo: essência e relação; reciprocamente, inclusivas. A essência é a única realidade substancial, na qual as Pessoas subsistem. A relação que distingue e une as Pessoas, de modo próprio, incomunicável. Scotus se pergunta: o caráter ontológico (status) seria absoluto ou relativo? Em virtude da unidade da essência, a Pessoa é em si um valor absoluto.
As Pessoas são relativas em virtude da mútua e recíproca relação na qual são constituídas como termos ou polos desta mesma relação. São entretanto absolutas na medida em que se identificam com a mesma substancia divina que é absoluta.
1.5. As processões trinitárias são um contínuo tornar-se
A substância única e imutável do Deus Unitrino não é estática nem isenta de qualquer atividade, mas é essencialmente ato puro de ser e de operar. Por outro lado, as Pessoas são intrínseca e essencialmente dinâmicas. E isto porque a essência se encontra intimamente em unidade a cada uma das Pessoas e cada uma das relações com a única essência. Esta perene atual atividade, ele exprime pelo verbo latino in fieri (tornar-se), não resolvendo com a matriz aristotélica da potência ao ato, mas melhor com a eterna processão ou origem de uma Pessoa da outra.
Duns Scotus concebe a Trindade como uma comunidade perfeita de pessoas na mesma vida infinita de conhecimento e amor, expressos e realizados na perfeita atualidade pericorética, de uma mútua presença de uma Pessoa nas outras (circuminsessio) e de uma recíproca penetração de cada uma nas demais (circummicessio).


2.    Mestre Eckhart: o recíproco “in-existir” entre Criador e criatura


Portal de Mestre Eckhart, na igreja de Erfurt, Turíngia, Alemanha.

Nasceu em 1260 na Turíngia, ingressou na ordem dominicana (c. 1275) em Erfurt, e terminando o noviciado, frequentou o curso de “artes” (filosofia) em Paris e o estudo geral de colônia (c. 1280), onde absorveu o pensamento filosófico-teológico de Santo Alberto Magno (+ 15/11/1280), embora este já tivesse deixado a cátedra. 
Transferindo-se para Colônia (1322-1323) como reitor da escola geral dos dominicanos. Em 1326 foi acusado de heresia pelo arcebispo de Colônia, Henrique de Virneburg. A congregação tentou defender a ortodoxia de Eckhart, algo inútil. Apelou-se para o Papa João XXII, o processo foi transferido para Avignon, onde ele pode se defender, mas morreu provavelmente no início de 1328, antes do final do processo.
Das 59 proposições apresentadas como heréticas apenas 28 foram consideradas objeto de julgamentos, das quais 17 foram condenadas e 11 declaradas temerárias (mas suscetíveis de uma interpretação católica ortodoxa).
Doutrina: de maneira notável, Eckhart segue as pegadas também dos escritores da mística trinitária, particularmente do pseudo-Dionísio e de Santo Agostinho e deles haure alguns elementos da imagem divina do fundo da alma. Além disso, mediante influencia de santo Alberto Magno e Ulrico de Estrasburgo, inspira-se notavelmente no neoplatonismo.  

2.1 Influências

É verdadeiramente notável, toda a mística alemã do século XIV se remete a Eckhart. Sua doutrina do “fundo de Deus” e “fundo da alma” torna-se uma doutrina comum entre grandes místicos. Para Eckhart “todas as coisas são o que são no absolutamente maior”. À diferença das doutrinas emanacionaistas de origem neoplatônica, ele propõe uma espécie de identificação entre Criador e criatura, expressão de um in-existir, que só é possível na preposição de um criador unitrino que opera impulsionado e sustentado por seu querer livre e gratuito.
Portanto, ao ser de Deus nas criaturas corresponde o ser das criaturas em Deus e isto como expressão da absoluta liberdade do criador, que é quem toma a iniciativa e quem sustenta este processo criador. Sendo assim às coisas não é dado experimentar algum tipo de existência plenamente independente e totalmente desvinculada de Deus. 

2.2 Em Deus coexistem alteridade e singularidade

O fato é que o Pai não seja o Filho e que ambos não se confundam com o Espírito Santo, e vice-versa. Eleva-se, por assim dizer, à esfera intradivina os princípios da alteridade e da identidade. Enquanto princípios instauradores da reciprocidade de relações entre os divinos três, eles condicionam a ação divina ad extra, fazendo com que produzam juntos um mundo conforme seu específico modo de ser e de existir: o da unidade na diferença.
Na perspectiva cristã o mundo emerge como interlocutor que dialogo com o Criador uno e trino. As criaturas participam, porém, da diferenciação de seu Criador. “Todas as criaturas carregam uma negação em si, uma nega a outra”. O ser humano é destinado a realizar uma vocação especial, pois, segundo ele: “Deus, quando fez o homem, realizou na alma uma obra a ele igual, a sua obra operante” deste modo o ser humano é chamado a cooperar com o Criador, a partir das coisas criadas juntamente com Ele, numa ação sinergética.

2.3 A “pericorese universal”: o operar comum no recíproco in-existir

Para Eckhart não apenas as coisas estão no mundo, também Deus se encontra nas coisas e, por este motivo, a razão pode desentranhá-lo presente no livro aberto da natureza. Deus se torna o que de fato Ele é: Deus no mundo e para o mundo. Este “tornar-se” atribuído a Deus deve ser considerado obviamente em sentido analógico. Pois não é intenção dele introduzir nenhum tipo de processualidade histórica na essência divina.  
Como podemos perceber, o ser humano é inserido na vida mesma do Deus uno e trino e, e mediante a experiência mística, ele é como que admitido à intimidade das relações mutuas e reciprocas entre os divinos três.  
Deste modo, o mundo não é Deus, e Deus não se confunde com o mundo. As relações entre ambos são recíprocas e livres. A onipotência divina não absorve nem anula a criatura, como também a criatura não absorve a onipotência divina.  

Considerações finais

Scotus e Eckhart destacam-se, como tivemos ocasião de constatar, por uma altíssima especulação aplicada aos mistérios cristãos. Sendo assim, percebe-se que ambos se completam, na medida que o primeiro elabora uma ousada e profunda doutrina trinitária, enquanto o segundo se esmera nas considerações acerca da relação estreita entre o Criador uni-trino e o mundo de suas criaturas. São filhos de um rico período histórico. São frutos maduros formados a partir do melhor pensamento e das reflexões mais importantes do mundo medieval.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

TAVARES, Sinivaldo S. Trindade e Criação. Petrópolis: Vozes, 2007. pp. 175-188.