Pode
uma comunidade tão diversificada como aquelas formadas à sombra dos elementos
fundantes de uma cristologia que possa trazer a experiência do ressuscitado
para outro lugar e época, dar conta de tantos desafios que as comunidades se
impõem diante de um aceitável processo de entendimento do que deveria ser
abandonado e do que precisaria ser assumido? Esta questão, de certo modo,
equivale-se aos fundamentos da fé e tornar íntimo o que não o é, somente pela
fé, foi-se tornando um tema retomado inúmeras vezes ao longo da escrita lucana.
A
comunhão comum, à mesa, próximo e igual, foi tomada de grande impacto nas
comunidades e constituiu-se num problema urgente a ser resolvido, para que o
elemento constitutivo da comunhão, a mesa, pudesse alçar ao patamar a que lhe
convinha e constituía alimento e memória, plano do Senhor para recordar sua
vida, obra, paixão, morte e ressurreição. Um elemento tão fundante não poderia
passar ao longe das discussões que o tornaria apelo à conversão dos dois lados,
sejam judeus ou não.
Algumas
comunidades tinham dificuldade em comungar da mesma mesa, apesar das diferenças,
por se tratar da razão aos princípios judaicos enraizados nas comunidades
cristão primeiras (Gl 2, 11-14). Por outro lado, na mesma época, em Antioquia,
a comunhão da mesa era algo mais comum e tornava-se, por outro lado,
constitutivo de outra tradição ainda não generalizada em todas as comunidades.
A
mesa não era somente um atestado da vivência atualizada da mensagem de fraternidade
pregada pelo nazareno, mas facilitava um olhar às novas gerações, que cresciam
deparando-se com esta comunhão, de forma natural e autêntica. Não era hora,
pois, de isolar-se. Era preciso garantir um novo modus vivendi. Iniciava-se nas comunidades, um novo paralelo:
agora, para ser seguidor de Cristo, não era preciso obedecer aos preceitos da
Lei. Antes, era preciso ser intimamente tomado por uma experiência de
fraternidade que não encontrava limites às singelas relações familiares,
culturais ou políticas. E Paulo será aquele que, advindo da comunidade judaica,
irá apontar para um outro e novo caminho, aquele a que todos os discípulos
estariam dispostos a seguir, embora a prática da mesa comum não tivesse assim
tantos elementos simples que pudesse ser aceita por todos. Agora o pobre, o
comum, aproxima-se e come.
Talvez
pudéssemos pensar que, ao introduzir a mesa, a refeição em comum, o próprio
Cristo já tivesse anteposto tantas questões que surgiriam. Na última refeição,
diversas palavras limitam o acesso à refeição e à comunhão. Se não se destaca
Judas que sai da refeição, um ato pleno de ojeriza entre os judeus, é Pedro que
se nega a ter os pés lavados pelo mestre. Já naquela refeição, tão plena de
significados, a luta por interesses diversos da fraternidade, já surge como
tema norteador e que derruba qualquer indício de uma relação plenamente
fraternal. Mas, por outro lado, o perdão está em toda parte e Lucas reconhece
na comunidade da mesa, uma oportunidade em que a misericórdia é abertamente elemento
que constituirá cada um dos apóstolos nos atos que se sucedem até o final do
evangelho.
Assim,
de modo breve, pode-se crer que todos aqueles que se constituem na diversidade,
alheios à rudimentar e estreita observância da Lei e que estejam dispostos a
abraçar a fé, numa comunidade em que a partilha, o amor aos pobres e o desapego
às riquezas, são destacados na obra lucana. Afinal, não seria possível escrever
para grupos tão diversificados para os quais Lucas escreve, sem levar em
consideração a força que é uma comunidade animada em meio a pagãos convertidos
ao cristianismo. Agora, estes já são seguidores de Jesus Cristo e
constituíam-se adoradores de Deus (At 13, 43-50). Presentes desde o início da
Igreja, destacados em Pentecostes (At 13, 16). Por outro lado, quando expulsos
das sinagogas justamente por terem no seu meio helenistas convertidos, os
judeus convertidos, tinham em vista uma real e sincera dedicação àquilo que os
afastava uns dos outros: a comunhão da mesa era um sinal da plena comunhão que
estava por vir, na segunda vinda de Cristo, mas também agora, enquanto o
aguardavam.
De
qualquer forma, ao entender a comunhão de mesa como próprio desta nova
comunidade, os cristãos agora podiam caminhar numa nova direção, por suas
próprias pernas e pensar a partir de suas próprias experiências de
fraternidade. Começava agora aquilo que conheceremos como cristianismos dos
primeiros tempos. Aqui o testemunho, em meio às perseguições, valerá muito mais
que a Lei. A fraternidade, entendida além do preceito, mais que a sinagoga. A
mesa, espaço da plenitude e da partilha, muito mais que o Templo. Era o tempo
da refeição que nascia da comunhão.
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