quarta-feira, 2 de agosto de 2017

A MESA EM COMUM E O COMUM NA MESA


Pode uma comunidade tão diversificada como aquelas formadas à sombra dos elementos fundantes de uma cristologia que possa trazer a experiência do ressuscitado para outro lugar e época, dar conta de tantos desafios que as comunidades se impõem diante de um aceitável processo de entendimento do que deveria ser abandonado e do que precisaria ser assumido? Esta questão, de certo modo, equivale-se aos fundamentos da fé e tornar íntimo o que não o é, somente pela fé, foi-se tornando um tema retomado inúmeras vezes ao longo da escrita lucana.

A comunhão comum, à mesa, próximo e igual, foi tomada de grande impacto nas comunidades e constituiu-se num problema urgente a ser resolvido, para que o elemento constitutivo da comunhão, a mesa, pudesse alçar ao patamar a que lhe convinha e constituía alimento e memória, plano do Senhor para recordar sua vida, obra, paixão, morte e ressurreição. Um elemento tão fundante não poderia passar ao longe das discussões que o tornaria apelo à conversão dos dois lados, sejam judeus ou não.

Algumas comunidades tinham dificuldade em comungar da mesma mesa, apesar das diferenças, por se tratar da razão aos princípios judaicos enraizados nas comunidades cristão primeiras (Gl 2, 11-14). Por outro lado, na mesma época, em Antioquia, a comunhão da mesa era algo mais comum e tornava-se, por outro lado, constitutivo de outra tradição ainda não generalizada em todas as comunidades.

A mesa não era somente um atestado da vivência atualizada da mensagem de fraternidade pregada pelo nazareno, mas facilitava um olhar às novas gerações, que cresciam deparando-se com esta comunhão, de forma natural e autêntica. Não era hora, pois, de isolar-se. Era preciso garantir um novo modus vivendi. Iniciava-se nas comunidades, um novo paralelo: agora, para ser seguidor de Cristo, não era preciso obedecer aos preceitos da Lei. Antes, era preciso ser intimamente tomado por uma experiência de fraternidade que não encontrava limites às singelas relações familiares, culturais ou políticas. E Paulo será aquele que, advindo da comunidade judaica, irá apontar para um outro e novo caminho, aquele a que todos os discípulos estariam dispostos a seguir, embora a prática da mesa comum não tivesse assim tantos elementos simples que pudesse ser aceita por todos. Agora o pobre, o comum, aproxima-se e come.

Talvez pudéssemos pensar que, ao introduzir a mesa, a refeição em comum, o próprio Cristo já tivesse anteposto tantas questões que surgiriam. Na última refeição, diversas palavras limitam o acesso à refeição e à comunhão. Se não se destaca Judas que sai da refeição, um ato pleno de ojeriza entre os judeus, é Pedro que se nega a ter os pés lavados pelo mestre. Já naquela refeição, tão plena de significados, a luta por interesses diversos da fraternidade, já surge como tema norteador e que derruba qualquer indício de uma relação plenamente fraternal. Mas, por outro lado, o perdão está em toda parte e Lucas reconhece na comunidade da mesa, uma oportunidade em que a misericórdia é abertamente elemento que constituirá cada um dos apóstolos nos atos que se sucedem até o final do evangelho.

Assim, de modo breve, pode-se crer que todos aqueles que se constituem na diversidade, alheios à rudimentar e estreita observância da Lei e que estejam dispostos a abraçar a fé, numa comunidade em que a partilha, o amor aos pobres e o desapego às riquezas, são destacados na obra lucana. Afinal, não seria possível escrever para grupos tão diversificados para os quais Lucas escreve, sem levar em consideração a força que é uma comunidade animada em meio a pagãos convertidos ao cristianismo. Agora, estes já são seguidores de Jesus Cristo e constituíam-se adoradores de Deus (At 13, 43-50). Presentes desde o início da Igreja, destacados em Pentecostes (At 13, 16). Por outro lado, quando expulsos das sinagogas justamente por terem no seu meio helenistas convertidos, os judeus convertidos, tinham em vista uma real e sincera dedicação àquilo que os afastava uns dos outros: a comunhão da mesa era um sinal da plena comunhão que estava por vir, na segunda vinda de Cristo, mas também agora, enquanto o aguardavam.

De qualquer forma, ao entender a comunhão de mesa como próprio desta nova comunidade, os cristãos agora podiam caminhar numa nova direção, por suas próprias pernas e pensar a partir de suas próprias experiências de fraternidade. Começava agora aquilo que conheceremos como cristianismos dos primeiros tempos. Aqui o testemunho, em meio às perseguições, valerá muito mais que a Lei. A fraternidade, entendida além do preceito, mais que a sinagoga. A mesa, espaço da plenitude e da partilha, muito mais que o Templo. Era o tempo da refeição que nascia da comunhão.

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